sexta-feira, 20 de junho de 2014


O leitor é um produtor de jardins que miniaturizam e congregam um mundo. Robinson de uma ilha a descobrir mas “possuído” também por seu próprio carnaval que introduz o múltiplo e a diferença no sistema escrito de uma sociedade e de um texto. Autor romanesco portanto. Ele se desterritorializa, oscilando em um não-lugar entre o que inventa e o que modifica. Ora efetivamente, como o caçador na floresta, ele tem o escrito à vista, descobre uma pista, ri, faz “golpes”, ou então, como jogador, deixa-se prender aí. Ora perde aí as seguranças fictícias da realidade: suas fugas o exilam das certezas que colocam o eu no tabuleiro social. (...) os leitores são viajantes; circulam nas terras alheias, nômades caçando por conta própria através dos campos que não escreveram, arrebatando os bens do Egito para usufruí-los. A escritura acumula, estoca, resiste ao tempo pelo estabelecimento de um lugar e multiplica sua produção pelo expansionismo da reprodução. A leitura não tem garantias contra o desgaste do tempo (a gente se esquece e esquece), ela não conserva ou conserva mal a sua posse, e cada um dos lugares por onde ela passa é repetição do paraíso perdido.

Michel de Certeau in. “A invenção do cotidiano: as artes de fazer”. Ed. Vozes, 2008, pp. 269-270. (v.1)


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