domingo, 25 de janeiro de 2015




 

E como são cada vez menos vistos, como alguns os querem ainda mais apagados, riscados, escamoteados dessa sociedade, eles são chamados de excluídos. Mas, ao contrário, eles estão lá, apertados, encarcerados, incluídos até a medula! Eles são absorvidos, devorados, relegados para sempre, deportados, repudiados, banidos, submissos e decaídos, mas, tão incômodos: uns chatos! Jamais completamente, não, jamais suficientemente expulsos! Incluídos, demasiado incluídos, e em descrédito.

Viviane Forrester. O horror econômico. São Paulo: Unesp, 1997, p.15.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Paupéria Revisitada

Putas, como os deuses,
vendem quando dão.
Poetas, não.
Policiais e pistoleiros
vendem segurança
(isto é, vingança ou proteção).
Poetas se gabam do limbo, do veto
do censor, do exílio, da vaia
e do dinheiro não).
Poesia é pão (para
o espírito, se diz), mas atenção:
o padeiro da esquina balofa
vive do que faz; o mais
fino poeta, não.
Poetas dão de graça
o ar de sua graça
(e ainda troçam
— na companhia das traças —
de tal “nobre condição”).
Pastores e padres vendem
lotes no céu
à prestação.
Políticos compram &
(se) vendem
na primeira ocasião.
Poetas (posto que vivem
de brisa) fazem do No, thanks
seu refrão.

Ricardo Aleixo in. “Máquina Zero”. Scriptum Ed., 2004.

Photo: Poetas populares, Salvador, Brasil, 1946-1950 (Pierre Verger)


poeta popular cuica de santo amaro
 
“A produção do belo através da arte é o ato mais sublime de que é capaz o homem.”

Nicolau Sevcenko

Pierre Julien (1731 - 1804)
Il Gladiatore morente, 1779
Parigi, Louvre






Quando se pergunta o porquê da Literatura, só resta responder: porque somos seres humanos. A Literatura é uma necessidade humana, vem da própria existência. Somos animais que consomem voluntariamente grande quantidade de relatos e poesias. Todas as populações do globo, de todas as épocas, contam suas histórias e cantam seus poemas. Somos obrigados, por exemplo, a nos recontar histórias para saber sempre o que fizemos, por isso constituímos essa quantidade enorme de impressões. Vivemos o dia a dia, escutamos tudo o que nos acontece, observamos tudo o que está a nossa volta, e o que resta disso é sempre uma história. Eu encontrei um amigo, tomamos café, falávamos disso ou daquilo etc. Essa é a função da narrativa, mas ela se encontra condensada, sublimada e magnificada na Literatura. A ficção conta melhor nossas próprias experiências. As palavras me permitem expressar meus sentimentos, mas também enxergam a pluralidade humana. A Literatura é a forma pela qual percebemos que os seres humanos não vivem cada um no seu mundo, mas numa pluralidade infinita.

Tzvetan Todorov in. “Revista de História da Biblioteca Nacional”. n. 88, jan. 2013, p. 49.




Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.

Paulo Leminski in. Distraídos Venceremos. Ed. Brasiliense, 1987.

Em guarani, ñé-e significa "palavra" e também significa "alma".
Creem os índios guaranis que os que mentem a palavra, ou a dilapidam, são traidores da alma.

Eduardo Galeano in. As Palavras Andantes. Ed. l&pm, 2007, p. 22.


Pensar é perguntar continuamente, transformando possíveis soluções em novos enigmas. Paradoxalmente, o pensamento não quer resolver o mundo, mas torná-lo vertiginosamente enigmático; não deseja dissolvê-lo, mas mantê-lo como problema. Pensar bem é construir e explorar aporias, impasses, dilemas; é complexificar o que parece simples ou dado. Não é cortar o nó górdio com a espada, de forma impaciente, autoritária e violenta, mas desatá-lo serenamente, fazendo a sua teoria. Pensar, enfim, é problematizar um objeto bem demarcado, criar hipóteses, testá-las. Depois, procurar articular um discurso sobre este objeto em linguagem clara e comunicável, debatendo-o publicamente, iluminando-o sob diversos ângulos, percebendo-o em suas mudanças no tempo, para ver esse objeto tornar-se um enigma ainda maior!

José Carlos Reis. In. “História & Teoria”. Ed. FGV, 2006, pp.97-98.

tela: Carlo Perugini
Jeune femme lisant, circa 1870.





“Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.”

Manoel de Barros In. “Ensaios fotográficos”. Ed. Record, 2000.
Janela sobre o corpo

A igreja diz: O corpo é uma culpa.
A ciência diz: O corpo é uma máquina.
A publicidade diz: O corpo é um negócio.
O corpo diz: Eu sou uma festa.

Eduardo Galeano. In. “As Palavras Andantes”. Ed.l&pm, 2007, p.138.

Pierre et Gilles. Collection particulière 

© Courtesy Galerie Jérôme de Noirmont, Paris.

Kai

   Mínimo templo
para um deus pequeno,
   aqui vos guarda,
em vez da dor que peno,
   meu extremo anjo de vanguarda.

   De que máscara
se gaba sua lástima,
   de que vaga
se vangloria sua história
   saiba quem saiba.

   A mim me basta
a sombra que se deixa,
   o corpo que se afasta.

Paulo Lemisnki in. Distraídos Venceremos. São Paulo: Brasiliense, 1987.

Tela: Catrin Welz-Stein


Narrar é resistir.

Guimarães Rosa, Estas Estórias

Solo si me perdonas, nicolleta tomas, Acrílico Lienzo 20 x 40 cm.



O Estado não pode colocar-se no mesmo plano do indivíduo singular. O indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, em defesa própria. O Estado responde de modo mediato, reflexivo, racional. Também ele tem o dever de se defender. Mas é muito mais forte do que o indivíduo singular e, por isso, não tem necessidade de tirar a vida desse indivíduo para se defender. O Estado tem o privilégio e o benefício do monopólio da força. Deve sentir toda a responsabilidade desse privilégio e desse beneficio.


Norberto Bobbio, "A era dos direitos". tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 74.

Norberto Bobbio, 1909-2004

 
Para liquidar os povos se começa a privá-los da memória. Se destroem os seus livros, a sua cultura, a sua história. E, algum outro escreve outros livros, lhe fornece uma outra cultura, inventa uma outra história; depois disso, o povo começa lentamente a esquecer aquilo que é e aquilo que foi. E o mundo ao seu redor esquece ainda mais rápido.

Milan Kundera. Il libro del riso e dell´oblio. Milano: Adelphi, 1998, p.193.

Photo: Pedro Martineli





 


O passo mais importante e decisivo na vida das mulheres é precisamente aquele que consideram sempre o mais insignificante. [...] Só aos trinta anos pode uma mulher conhecer os recursos desta situação. Aproveita-a para rir, gracejar e enternecer-se sem se comprometer. Possui então o tato necessário para atacar no homem todas as cordas sensíveis e estudar os sons que daí tira. O seu silêncio é tão perigoso como as suas palavras. Nunca se pode adivinhar, se nessa idade, é franca ou falsa, se zomba ou se é de boa fé nas suas confissões. Depois de ter-nos dado o direito de lutar com ela, de repente, com uma palavra, um olhar, um desses gestos cujo poder lhe é conhecido, termina o combate, nos abandona, e fica senhora do nosso segredo, ou para nos imolar com um gracejo, ou para se ocupar de nós, protegida igualmente pela sua fraqueza e pela nossa força.


Honoré de Balzac in. “A mulher de trinta anos”. Ed. Nova Cultural, 1995, pp. 86-87.

Homem Deitado


Não se levanta nem precisa levantar-se.
Está bem assim. O mundo que enlouqueça,
o mundo que estertore em seu redor.
Continua deitado
sob a racha da pedra e da memória.

Carlos Drummond de Andrade. “Poesia Completa”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 1236.

 
Wilhelm von Gloeden « det. Modèle italien » (vers 1900).

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