sábado, 10 de novembro de 2012

Na hora do Lobo*



Quando um homem consome a madrugada
rabiscando umas folhas de papel
e ele sabe que a vida é tonelada
oscilando na ponta de um cordel;
ele sabe que o fim de toda estrada
não desagua no inferno nem no céu,
e ele pensa na feira, na empregada,
água e luz, condomínio e aluguel;
quando um homem fatiga a voz cansada
com palavras da Torre de Babel
e ele entende que a coisa mais amada
se transmuda na coisa mais cruel;
quando a taça em que bebe está quebrada,
tanto vidro a boiar em tanto fel
e no peito uma dor desatinada
essa dor que é tão nítida e fiel;
quando um homem de boca tão calada
sente a mente girar num carrossel,
ele escreve através da madrugada
com cuidados de abelha que faz mel:
sua vida, talvez, foi destinada
a salvar estas folhas de papel.


Braulio Tavares in. O Homem Artificial: poemas. Ed. Sette Letras, 1999, p.9.
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