quinta-feira, 26 de julho de 2012

Vida*



     " ... a vida sempre transborda de qualquer cálice."


Boris Pasternak

Esses índios aí*


Pra que serve o índio? Índio não colabora com o PIB, não contribui com a ciência, não dourará nosso quadro de medalhas nas Olimpíadas e ainda é dono de Bélgicas e Bélgicas de terra improdutiva! Esses folgados deviam era tomar vergonha na cara, botar uma roupa, arrumar um emprego, mudar pra um apartamento de 25 metros quadrados e passar duas horas no trânsito, todo dia, como qualquer ser humano normal, é ou não é?!

Tirando a ironia do apartamento e do trânsito, o discurso acima não é muito diferente do que eu ouvi tantas vezes, na época em que cursava ciências sociais e explicava a algum curioso do que tratava a antropologia.

Lembrei-me dessas pérolas na semana passada, ao ler aqui na Folha a notícia de que uma portaria da Advocacia-Geral da União prevê a possibilidade de o setor público construir em áreas indígenas sem consultar seus habitantes. A ideia, pelo que eu entendi, é que as reservas não sejam reservadas. Genial.

Uma vez perguntaram a um antropólogo "por que os índios precisam de reserva?". Resposta: "porque eles existem". Simples assim. Por existirem, viverem da caça, da pesca, da colheita, de pequenas produções de subsistência -e, diga-se de passagem, por estarem aqui há pelo menos 5.000 anos-, devem ter as partes que lhes cabem entre nossos latifúndios.

Que baita desperdício! -dirá a turma do primeiro parágrafo. Debaixo das terras onde esses pelados estão a comer pitangas há minérios valiosíssimos! Minérios essenciais para a fabricação de celulares, por exemplo. Enquanto eles estão lá, rezando pro grande Deus da mandioca, poderíamos estar diminuindo em 0,001 centavo o preço dos smartphones, permitindo a mais gente tirar fotos de seus cachorros para pôr no Facebook, possibilitando que mais gente desse "like" nas fotos dos cachorros de mais gente, contribuindo, assim, para a grande marcha da civilização -mas esses índios...

Não, não direi que o índio é bom e a gente é ruim, caro leitor, nem acho que um caiapó viva necessariamente melhor do que o morador da Caiowá. Sou feliz com os antibióticos, as séries da HBO, as cervejas artesanais e outras conquistas da civilização. E é justamente a herança iluminista desta civilização à qual pertenço que me obriga a concordar que, se não há uma finalidade última para a existência, tanto faz gastarmos o tempo que nos foi dado vestidos e postando fotos de cachorros no FB ou pelados e cantando para a mandioca. Mais ainda: é essa mesma tradição, cujas grandes criações tanto admiro -de Hamlet ao microchip-, que me faz lamentar o tesouro que desperdiçamos ao menosprezar os quase 240 povos indígenas brasileiros, com suas mais de 800 mil pessoas falando cerca de 180 línguas. Quantas Ilíadas e Gênesis, Medeias e Gilgameshs, quantos belos poemas, cosmogonias e epopeias deixam de fazer parte do rio de nossa cultura por preconceito e ignorância?

Garantir a terra e a sobrevivência desses índios é aumentar a riqueza da experiência humana. A deles e a nossa. E, mesmo que não fosse, mesmo que "esses índios aí" não pudessem trazer nada de bom para nós, ainda mereceriam as reservas. Porque eles existem. Simples assim.

Antonio Prata in. Folha de São Paulo

sábado, 21 de julho de 2012

A suprema felicidade*


                        ... a suprema felicidade da vida é ter a convicção de que somos amados.

Victor Hugo

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Uma história do corpo feminino*

A medicina é uma disciplina dominante na percepção da carne e dos ossos humanos, e a medicina grega persistiu como modelo para a ciência ocidental por séculos. Galeno, o principal médico do século II d.C., foi o livro-texto em hospitais europeus mesmo após Willian Harvey descobrir a circulação do sangue 1.500 anos depois; a compreensão da histeria, por exemplo, a doença feminina par excellence, sempre dependeu de modelos da mente e do corpo feminino profundamente influenciados por essa longa tradição. A medicina formula nossa compreensão do corpo, e a medicina grega concebia o corpo feminino através de maneiras particularmente significativas.

Para a medicina clássica dos textos hipocráticos, o corpo de uma mulher é como um cântaro, com tubos interconectados para a circulação do sangue e dos fluidos - tubos que podem ser perigosamente obstruídos. Portanto, caso se queira verificar a fertilidade de uma menina, deve-se colocar um pedaço de alho em sua vagina à noite. Se de manhã ela tiver mau hálito, isso indica que, por sorte, seus tubos estão devidamente desobstruídos e que não há impedimento para a gravidez. O tubo que se estende das narinas até o útero deve estar desobstruído. Essa via de conexão explica por que os médicos gregos podiam pensar que a voz da mulher engrossava depois da primeira relação sexual: a desobstrução do orifício de baixo naturalmente afeta o orifício de cima. A conexão entre boca e vagina ainda vigora no vocabulário médico moderno: médicos se referem aos "lábios" vaginais e à "cérvice" (pescoço) do útero. A fisiologia feminina requer explicações científicas - e a ciência concebe ao leitor, e ao médico, poder sobre o mundo. A medicina é uma das maneiras como o lugar da mulher na sociedade é demarcado. A medicina modifica nossa visão sobre o corpo das mulheres.

[fragmento]

Simon Goldhill. in. "Amor, sexo & tragédia": como os gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Ed. Zahar, 2007. p. 44.

terça-feira, 17 de julho de 2012

O Diabo é pobre*


Nas cidades do nosso tempo, imensos cárceres que trancam os prisioneiros do medo, as fortalezas dizem ser casas e as armaduras simulam ser ternos.

Estado de sítio. Não se distraia, não baixe a guarda, não confie. Os amos do mundo dão a voz de alarme. Eles, que impunemente violam a natureza, sequestram países, roubam salários e assassinam multidões, nos advertem: cuidado. Os perigosos acossam, tocaiados nos subúrbios miseráveis, mordendo invejas, engolindo rancores.

Os perigosos, os pobres: os pobres-diabos, os mortos das guerras, os presos dos cárceres, os braços disponíveis, os braços descartáveis.

A fome, que mata calando, mata os calados. Os especialistas, os pobrólogos, falam por eles. E nos contam em que não trabalham, o que não comem, o quanto não pesam, o quanto não medem, o que não têm, o que não pensam, o que não votam, em que não crêem.

Só nos falta saber por que os pobres são pobres. Será porque sua fome nos alimenta e sua nudez nos veste? 

Eduardo Galeano. in. Espelhos. Ed. L&PM, 2009. p. 116.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Alma humana*



     ... Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana.

C. Gustav Jung

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Não dá pra ler tudo*


O aumento exponencial de textos eletrônicos disponíveis e gratuitos causa uma euforia sem limites e um pessimismo sem volta. Centenas de milhares de livros, milhares de filmes, milhões de músicas!  Tudo ao alcance de um clique, de graça!  O único senão é o fato de que o dia continua tendo apenas 24 horas.  Nosso tempo de leitura é o mesmo de que dispunham os leitores do século 18, ou mesmo os leitores da Grécia Antiga (e mesmo eles certamente se queixavam de que “não dava pra ler tudo”).  Esse “não dá pra ler” é relativo, e não faz muita diferença. Digamos que eu conseguisse ler um livro por dia; seriam 30 livros por mês.  Se meu limite é esse, não faz muita diferença se estou deixando de ler 100 livros ou um milhão.  Leio trinta, e acabou-se.

A questão é: Que trinta?  Porque era mais fácil escolher trinta entre 100 do que trinta entre um milhão. Não teríamos desculpa para estar lendo algo a contragosto, porque teríamos acesso, se não a tudo, pelo menos a uma quantidade inesgotável de obras que de fato queremos ler.  Tem muitos leitores de bibliotecazinhas humildes do interior, mundo afora, que ficam relendo seus autores preferidos, ou avançando aos bocejos por entre obras que não lhes interessam, apenas porque não aparecem livros novos.

E como ter acesso a informações novas, a autores que ainda não conhecemos? Cory Doctorow (do saite BoingBoing) diz: “Twitter e blogs são a única maneira de administrar a enorme quantidade de material disponível. Sem isto, ninguém sairia de sua órbita de contatos sociais, ninguém trocaria idéias com os milhões de pessoas que conhecem outros milhões, os polinizadores que pegam uma informaçãozinha aqui e levam para acolá. Sem eles, a conversa morreria. Essas pessoas garantem que o que é realmente bom acabará chegando ao topo da pilha e ficando acessível”.

O dia continua tendo apenas 24 horas, mas por isso mesmo é preciso preenchê-las bem. O leitor não deve imaginar que os milhões de livros possíveis de ler já lhe pertencem, ou estão de alguma maneira a cobrar-lhe um posicionamento. O leitor deve se perguntar: Entre trabalho e outras atividades, hoje em terei meia hora para ler.  Ou duas horas, ou cinco, etc.  Vou preencher esse tempo com que?  Você não precisa ter um iPod com mil romances, basta ter um livro por perto, um livro que lhe interesse. (Tanto pode ser digital quanto de papel.) Se você pensar nos mil livros extraordinários que gostaria de ler, não vai sair do canto. Basta ter sempre coisas boas por perto, e todo dia pensar: vou ler o que?  O fato de haver 100 vezes mais títulos disponíveis não me obriga a ler 100 vezes mais, apenas me ajuda a escolher melhor.


Braulio Tavares. in. Mundo Fantasmo

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sobre a Educação e o inacabamento do ser humano*


Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem.

Por isso, é preciso fazer um estudo filosófico-antropológico. Comecemos por pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar, na natureza do homem, algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo de educação.

Qual seria este núcleo captável a partir de nossa própria experiência existencial?

Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem.

O cão e a árvore também são inacabados, mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. O homem pergunta-se: quem sou? de onde venho? onde posso estar? O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante do ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação.

A educação é uma resposta da finitude à infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição. A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém.

Por outro lado, a busca deve ser algo e deve traduzir-se em ser mais: é uma busca permanente de "si mesmo" (eu não posso pretender que meu filho seja mais em minha busca e não na dele).

Sem dúvida, ninguém pode buscar na exclusividade, individualmente. Esta busca solitária poderia traduzir-se em um ter mais, que é uma forma de ser menos. Esta busca deve ser feita com outros seres humanos que também procuram ser mais e em comunhão com outras consciências, caso contrário se faria de umas consciências, objetos de outra. Seria "coisificar" as consciências.

Jaspers disse: "Eu sou na medida em que os outros também são."

O homem não é uma ilha. É comunicação. Logo, há uma estreita relação entre comunhão e busca.

[Fragmento].

Paulo Freire. in. "Educação e Mudança". Ed. Paz & Terra, 1982. pp. 27-28.

Nota do Blog: Esse fragmento é só um aperitivo de um texto importante para o Educador e para aqueles que acreditam em um modelo de educação crítica, em que tanto professores quanto alunos devam atuar enquanto sujeitos de sua própria realidade com vias a transformá-la para melhor. Sugerimos a leitura completa do texto que se encontra na seguinte referência: FREIRE, Paulo. A Educação e o Processo de Mudança Social. In. _____. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1982.  pp. 27 - 41.

terça-feira, 10 de julho de 2012

O Nordeste da TV: invenção e tradição


Este ano se comemora o centenário de nascimento de dois ícones da cultura brasileira, Luiz Gonzaga (1912 – 1989) e Jorge Amado (1912 – 2001), ambos representantes de um discurso regionalista nordestino marcado pelo folclore e pela tradição. O Nordeste, ao que parece, ganhou em virtude desse fato mais espaço na TV, são novelas, musicais, entrevistas e programas especiais em torno da cultura, da natureza e do povo nordestino.

Eis que emerge dessa curiosidade “estrangeira” um Nordeste exótico recortado e recontado através de regularidades imagético-discursivas que o dotam de certas características invariáveis. A seca, a rusticidade do povo, o cangaço, o retirante, a religiosidade e a dureza da caatinga foram (e ainda não deixaram de ser) ao longo de décadas imagens utilizadas para ser referir ao Nordeste e ao modo de ser nordestino. Segundo o historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior:

“Antes que a unidade significativa chamada Nordeste se constituísse perante nossos olhos, foi necessário que inúmeras práticas e discursos ‘nordestinizadores’ aflorassem de forma dispersa e fossem agrupados posteriormente.” (in: A invenção do Nordeste e outras artes. Ed. Cortez, 2009, p. 79).

Nessa linha de pensamento, o Nordeste da Tv – naturalizado e folclorizado – tende a encobrir as disputas políticas, econômicas e ideológicas por trás da produção desse espaço no imaginário coletivo do país. Esse Nordeste, a-histórico, tradicional e mitificado, se apropria da literatura acadêmica (especialmente do romance de 30), do cordel, da música popular (especialmente de Luiz Gonzaga), da iconografia, etc. E se une a estes “discursos nordestinizadores” apagando as múltiplas possibilidades de práticas, costumes, modos de ser e de fazer de um Nordeste atual em nome de um Nordeste inventado, gestado a partir de estratégias midiáticas e de interesses escusos.

A força desse discurso gera, dentro e fora deste recorte geográfico (Nordeste), uma busca pelas raízes mais profundas e originais de uma nordestinidade. Inventa-se dessa forma um Nordeste da tradição, da festa junina, da comida típica, do cabra da peste, das Vidas Secas e dos Sertões, onde o sertanejo é antes de tudo um forte, um sujeito resignado na vida e fervoroso na fé. Neste percurso esquece-se, por exemplo, no Nordeste a prevalência do urbano (73,2%) sobre o rural (26, 8%); o aumento da escolarização; a melhoria na qualidade e expectativa de vida; o crescimento da geração de emprego e renda; a modernização de certos setores da economia; o movimento de retorno daqueles que se alocaram por anos a fio em subempregos e submoradias no Sul e Sudeste do país, etc. Enfim, nega-se o estágio atual de desenvolvimento do Nordeste, que obviamente ainda apresenta indicadores sociais bastante negativos, e procura-se reforçar uma imagem secular de atraso e subdesenvolvimento. Dessa forma, não é de se espantar as manifestações de preconceito contra nordestinos, amplamente divulgadas em redes sociais, e, o que é mais grave, essa estereotipizacão tem levado também a baixa auto-estima do próprio nordestino em relação à sua condição.

O Nordeste da Tv, em grande medida, é uma caricatura do Nordeste de fato e não serve à informação do grande público. Assim como sabemos que o Rio de Janeiro não se resume à violência, São Paulo aos congestionamentos e Brasília à corrupção, o Nordeste também não se resume à seca e à pobreza congênita. Todos estes espaços são produtos de embates históricos e processos políticos, não foram dados ao natural, portanto, reduzi-los a meros estereótipos é um risco que se corre em um país que ainda está em processo de auto-reconhecimento como o Brasil.


[Josenias Silva é Professor, Mestre em História do Brasil]

Ps.: O autor do texto, que é nordestino, reconhece o problema gravíssimo enfrentado por milhares de famílias vitimas da estiagem e lamenta o fato de o mesmo ser agravado por questões meramente "politiqueiras", quando não por desvio de verbas e sucateamento dos órgãos responsáveis para o combate à estiagem.

sábado, 7 de julho de 2012

Dama da Noite*

Na foto: Luiz Fernando Almeida


Como se eu estivesse por fora do movimento da vida. A vida rolando por aí feito roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parada, pateta, sentada no bar. Sem fazer nada, como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. A linguagem que eles usam para se comunicar quando rodam assim e assim por diante nessa roda-gigante. Você tem um passe para a roda-gigante, uma senha, um código, sei lá. Você fala qualquer coisa tipo bá, por exemplo, então o cara deixa você entrar, sentar e rodar junto com os outros. Mas eu fico sempre do lado de fora. Aqui parada, sem saber a palavra certa, sem conseguir adivinhar. Olhando de fora, a cara cheia, louca de vontade de estar lá, rodando junto com eles nessa roda idiota - tá me entendendo, garotão?
Nada, você não entende nada. Dama da noite. todos me chamam e nem sabem que durmo o dia inteiro. Não suporto: luz, também nunca tenho nada pra fazer - o quê? Umas rendas aí. É, macetes. Não dou detalhe, adianta insistir. Mutreta, trambique, muamba. Já falei: não adianta insistir, boy . Aprendi que, se eu der detalhe, você vai sacar que tenho grana e se eu tenho grana você vai querer foder comigo só porque eu tenho grana. E acontece que eu ainda sou babaca, pateta e ridícula o suficiente para estar procurando O verdadeiro amor. Pára de rir, senão te jogo já este copo na cara. Pago o copo, a bebida. Pago o estrago e até o bar, se ficar a fim de quebrar tudo. Se eu tô tesuda e você anda duro e eu precisar de cacete, compro o teu, pago o teu. Quanto custa? Me dil que eu pago. Pago bebida, comida, dormida. E pago foda também, se for preciso.
Pego, claro que eu pego. Pego sim, pego depois. É grande? Gosto de grande, bem grosso. Agora não. Agora quercì falar na roda. Essa roda, você não vê, garotão? Está por aí. rodando aqui mesmo. Olha em volta, cara. Bem do teu lado. Naquela mina ali, de preto, a de cabelo arrepiadinho. Tá bom, eu sei: pelo menos dois terços do bar veste preto e tem cabelo arrepiadinho, inclusive nós. Sabe que, se há uns dei anos eu pensasse em mim agora aqui sentada com você, eu não ia acreditar? Preto absorve vibração negativa, eu pensava. O contrário de branco, branco reflete. Mas acho que essa moçada tá mais a fim mesmo é de absorver, chupar até o fundo do mal - hein? Depois, até posso. Tem problema, não. Mas não é disso que estou falando agora, meu bem.
Você não gosta? Ah, não me diga, garotinho. Mas se eu pago a bebida, eu digo o que eu quiser, entendeu? Eu digo meu-bem assim desse jeito, do jeito que eu bem entender. Digo e repito: meu-bem-meu-bem-meu-bem. Pego no seu queixo a hora que eu quiser também, enquanto digo e repito e redigo meu-bem-meu-bem. Queixo furadinho, hein? Já observei que homem de queixo furadinho gosta mesmo é de dar o rabo. Você já deu o seu? Pelo amor de Deus, não me venha com aquela história tipo sabe, uma noite, na casa de um pessoal em Boiçucanga, tive que dormir na mesma cama com um carinha que. Todo machinho da sua idade tem loucura por dar o rabo, meu bem. Ascendente Câncer, eu sei: cara de lua, bunda gordinha e cu aceso. Não é vergonha nenhuma: tá nos astros, boy. Ou então é veado mesmo, e tudo bem.
Levanta não, te pago outra vodca, quer? Só pra deixar eu falar mais na roda. Você é muito garoto, não entende dessas coisas. Deixa a vida te lavrar a cara, antes, então a gente. Bicho, esquisito: eu ia dizer alma, sabia? Quer que eu diga? Tá bom, se você faz tanta questão, posso dizer. Será que ainda consigo, como é que era mesmo? Assim: deixa a vida te lavrar a alma, antes, então a gente conversa. Deixa você passar dos trinta, trinta e cinco, ir chegando nos quarenta e não casar e nem ter esses monstros que eles chamam de filhos, casa própria nem porra nenhuma. Acordar no meio da tarde, de ressaca, olhar sua cara arrebentada no espelho. Sozinho em casa, sozinho na cidade, sozinho no mundo. Vai doer tanto, menino. Ai como eu queria tanto agora ter uma alma portuguesa para te aconchegar ao meu seio e te poupar essas futuras dores dilaceradas. Como queria tanto saber poder te avisar: vai pelo caminho da esquerda, boy, que pelo da direita tem lobo mau e solidão medonha.
A roda? Não sei se é você que escolhe, não. Olha bem pra mim - tenho cara de quem escolheu alguma coisa na vida? Quando dei por mim, todo mundo já tinha decorado a tal palavrinha-chave e tava a mil, seu lugarzinho seguro, rodando na roda. Menos eu, menos eu. Quem roda na roda fica contente. Quem não roda se fode. Que nem eu, você acha que eu pareço muito fodida? Um pouco eu sei que sim, mas fala a verdade: muito? Falso, eu tenho uns amigos, sim. Fodidos que nem eu. Prefiro não andar com eles, me fazem mal. Gente da minha idade, mesmo tipo de. Ia dizer problema, puro hábito: não tem problema. Você sabe, um saco. Que nem espelho: eu olho pra cara fodida deles e tá lá escrita escarrada a minha própria cara fodida também, igualzinha à cara deles. Alguns rodam na roda, mas rodam fodidamente. Não rodam que nem você. Você é tão inocente, tão idiotinha com essa camisinha Mr. Wonderful. Inocente porque nem sabe que é inocente. Nem eles, meus amigos fodidos, sabem que não são mais. Tem umas coisas que a gente vai deixando, vai deixando, vai deixando de ser e nem percebe. Quando viu, babau, já não é mais. Mocidade é isso aí, sabia? Sabe nada: você roda na roda também, quer uma prova? Todo esse pessoal da preto e cabelo arrepiadinho sorri pra você porque você é igual a eles. Se pintar uma festa, te dão um toque, mesmo sem te conhecer. Isso é rodar na roda, meu bem.
Pra mim, não. Nenhum sorriso. Cumplicidade zero. Eu não sou igual a eles, eles sabem disso. Dama da noite, eles falam, eu sei. Quando não falam coisa mais escrota, porque dama da noite é até bonito, eu acho. Aquela flor de cheiro enjoativo que só cheira de noite, sabe qual? Sabe porra: você nasceu dentro de um apartamento, vendo tevê. Não sabe nada. fora essas coisas de vídeo, performance, high-tech, punk, dark. computador, heavy-metal e o caralho. Sabia que eu até vezenquando tenho mais pena de você e desses arrepiadinhos de preto do que de mim e daqueles meus amigos fodidos? A gente teve uma hora que parecia que ia dar certo. Ia dar, ia dar. sabe quando vai dar? Pra vocês, nem isso. A gente teve a ilusão, mas vocês chegaram depois que mataram a ilusão da gente. Tava tudo morto quando você nasceu, boy, e eu já era puta velha. Então eu tenho pena. Acho que sou melhor, sei porque peguei a coisa viva. Tá bom, desculpa, gatinho. Melhor, melhor não. Eu tive mais sorte, foi isso? Eu cheguei antes. E até me pergunto se não é sorte também estar do lado de fora dessa roda besta que roda sem fim, sem mim. No fundo, tenho nojo dela - você?
Você não viu nada, você nem viu o amor. Que idade você tem, vinte? Tem cara de doze. Já nasceu de camisinha em punho, morrendo de medo de pegar Aids. Vírus que mata. neguinho, vírus do amor. Deu a bundinha, comeu cuzinho. pronto: paranóia total. Semana seguinte, nasce uma espinha na cara e salve-se quem puder: baixou Emílio Ribas. Caganeira, tosse seca, gânglios generalizados. Õ boy, que grande merda fizeram com a tua cabecinha, hein? Você nem beija na boca sem morrer de cagaço. Transmite pela saliva, você leu em algum lugar. Você nem passa a mão em peito molhado sem ficar de cu na mão. Transmite pelo suor, você leu em algum lugar. Supondo que você lê, claro. Conta pra tia: você lê, meu bem? Nada, você não lê nada. Você vê pela tevê, eu sei. Mas na tevê também dá, o tempo todo: amor mata amor mata amor mata. Pega até de ficar do lado, beber do mesmo copo. Já pensou se eu tivesse? Eu, que já dei pra meia cidade e ainda por cima adoro veado.
Eu sou a dama da noite que vai te contaminar com seu perfume venenoso e mortal. Eu sou a flor carnívora e noturna que vai te entontecer e te arrastar para o fundo de seu jardim pestilento. Eu sou a dama maldita que, sem nenhuma piedade, vai te poluir com todos os líquidos, contaminar teu sangue com todos os vírus. Cuidado comigo: eu sou a dama que mata, boy. Já chupou buceta de mulher? Claro que não, eu sei: pode matar. Nem caralho de homem: pode matar. Já sentiu aquele cheiro molhado que as pessoas têm nas virilhas quando tiram a roupa? Está escrito na sua cara, tudo que você não viu nem fez está escrito nessa sua cara que já nasceu de máscara pregada. Você já nasceu proibido de tocar no corpo do outro. Punheta pode, eu sei, mas essa sede de outro corpo é que nos deixa loucos e vai matando a gente aos pouquinhos. Você não conhece esse gosto que é o gosto que faz com que a gente fique fora da roda que roda e roda e que se foda rodando sem parar, porque o rodar dela é o rodar de quem consegue fingir que não viu o que viu. O boy, esse mundo sujo todo pesando em cima de você, muito mais do que de mim e eu ainda nem comecei a falar na morte...
Já viu gente morta, boy? É feio, boy. A morte é muito feia, muito suja, muito triste. Queria eu tanto ser assim delicada e poderosa, para te conceder a vida eterna. Queria ser uma dama nobre e rica para te encerrar na torre do meu castelo e poupar você desse encontro inevitável com a morte. Cara a cara com ela, você já esteve? Eu, sim, tantas vezes. Eu sou curtida, meu bem. A gente lê na sua cara que nunca. Esse furinho de veado no queixo, esse olhinho verde me olhando assim que nem eu fosse a Isabella Rossellini levando porrada e gostando e pedindo eat me eat me, escrota e deslumbrante. Essa tontura que você está sentindo não é porre, não. É vertigem do pecado, meu bem, tontura do veneno. O que que você vai contar amanhã na escola, hein? Sim, porque vocé ainda deve ir à escola, de lancheira e tudo. Já sei: conheci uma mina meio coroa, porra-louca demais. Cretino, cretino, pobre anjo cretino do fim de todas as coisas. Esse caralhinho gostoso aí, escondido no meio das asas, é só isso que você tem por enquanto. Um caralhinho gostoso, sem marca nenhuma. Todo rosadinho. E burro. Porque nem brochar você deve ter brochado ainda. Acorda de pau duro, uma tábua, tem tesão por tudo, até por fechadura. Quantas por dia? Muito bem, parabéns: você tá na idade. Mas anota aí pro teu futuro cair na real: essa sede, ninguém mata. Sexo é na cabeça: você não consegue nunca. Sexo é só na imaginação. Você goza com aquilo que imagina que te dá o gozo, não com uma pessoa real, entendeu? Você goza sempre com o que tá na sua cabeça, não com quem tá na cama. Sexo é mentira, sexo é loucura, sexo é sozinho, boy.
Eu, cansei. Já não estou mais na idade. Quantos? Ah, você não vai acreditar, esquece. O que importa é que você entra por um ouvido meu e sai pelo outro, sabia? Você não fica. você não marca. Eu sei que fico em você, eu sei que marco você. Marco fundo. Eu sei que, daqui a um tempo, quando você estiver rodando na roda, vai lembrar que, uma noite. sentou ao lado de uma mina louca que te disse coisas, que te falou no sexo, na solidão, na morte. Feia, tão feia a morte, boy. A pessoa fica meio verde, sabe? Da cor quase assim desse molho de espinafre frio. Mais clarinho um pouco, mas isso nem é o pior. Tem uma coisa que já não está mais ali, isso é o mais triste. Você olha, olha e olha e o corpo fica assim que nem uma cadeira. Uma mesa, um cinzeiro, um prato vazio. Uma coisa sem nada dentro. Que nem casca de amendoim jogada na areia, é assim que a gente fica quando morre, viu, boy? E você, já descobriu que um dia também vai morrer?
Dou, claro. Ficou nervosinho, quer cigarro? Mas nem fumar você fuma, o quê? Compreendo, compreendo sim, eu compreendo sempre, sou uma mulher muito compreensiva. Sou tão maravilhosamente compreensiva e tudo que, se levar você pra minha cama agora e amanhã de manhã você tiver me roubado toda a grana, não pense que vou achar você um filho da puta. Não é o máximo da compreensão? Eu vou achar que você tá na sua, um garotinho roubando uma mulher meio pirada, meio coroa, que mexeu com sua cabecinha de anjo cretino desse nojento fim de todas as coisas. Tá tudo bem, é assim que as coisas são: ca-pi-ta-lis-tas, em letras góticas de neon. Mulher pirada e meio coroa que nem eu tem mais é que ser roubada por um garotinho ïmbecil e tesudinho como você. Só pra deixar de ser burra caindo outra vez nessa armadilha de sexo.
Fissura, estou ficando tonta. Essa roda girando girando sem parar. Olha bem: quem roda nela? As mocinhas que querem casar, os mocinhos a fim de grana pra comprar um carro, os executivozinhos a fim de poder e dólares, os casais de saco cheio um do outro, mas segurando umas. Estar fora da roda é não segurar nenhuma, não querer nada. Feito eu: não seguro picas, não quero ninguém. Nem você. Quero não, boy. Se eu quiser, posso ter. Afinal, trata-se apenas de um cheque a menos no talão, mais barato que um par de sapatos. Mas eu quero mais é aquilo que não posso comprar. Nem é você que eu espero, já te falei. Aquele um vai entrar um dia talvez por essa mesma porta, sem avisar. Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho. Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine, chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem noir. Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi. Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite. Não por você, por outros como você. Pra ele, me guardo. Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor. Cuidado, comigo: um dia encontro.
Só por ele, por esse que ainda não veio, te deixo essa grana agora, precisa troco não, pego a minha bolsa e dou a fora já. Está quase amanhecendo, boy. As damas da noite recolhem seu perfume com a luz do dia. Na sombra, sozinhas. envenenam a si próprias com loucas fantasias. Divida essa sua juventude estúpida com a gatinha ali do lado, meu bem. Eu vou embora sozinha. Eu tenho um sonho, eu tenho um destino, e se bater o carro e arrebentar a cara toda saindo daqui. continua tudo certo. Fora da roda, montada na minha loucura. Parada pateta ridícula porra-louca solitária venenosa. Pós-tudo, sabe como? Darkérrima, modernésima, puro simulacro. Dá minha jaqueta, boy, que faz um puta frio lá fora e quando chega essa hora da noite eu me desencanto. Viro outra vez aquilo que sou todo dia, fechada sozinha perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo: uma criança assustada.

Caio Fernando Abreu. "Os Dragões não conhecem o Paraíso." Ed. Cia. das Letras, 1988. 

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O lobo do homem*


A história da política nos amedronta; mostra os homens como demônios. Desde os primórdios se manifesta o instinto de dominar, tiranizar, matar, perseguir, torturar. Ocorre, por vezes, que esse instinto se recolha ou pareça dominado. Mas é ilusão.

Sem embargo, sejam o que forem, os homens estão obrigados a viver juntos. É uma condição para sobrevivência. Desde o principio, por consequência, os homens viveram em comunidades nas quais se ajudam uns aos outros, pelas quais se defendem uns aos outros e das quais saem uns e outros - mas não todos - para a conquista e para a pilhagem.

Espanta ver como o homem é violento e obtuso; é surpreendente que os homens tenham chegado a coisa diferente de simples hordas de bandidos. E, contudo, vieram a criar ordens políticas, Estados de direito, comunidades de cidadãos. Para que isso tenha sido possível, hão de ter agido poderosas forças de outra origem.

As sociedades humanas jamais triunfam dos instintos de violência. Consequentemente, são sempre injustas e devem aprimorar-se constantemente. A par disso, como as situações históricas não se repetem, impõe-se que as sociedades estejam em contínua evolução. [...].


Karl Jaspers. in. "introdução ao pensamento filosófico." Ed. Cultrix, 1993. p. 67.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ser célebre*


(Maria Antonieta)

Um número imenso de páginas (cartas, diários, relatos de viagens, etc.), escritas nos séculos 18 e 19 antes da invenção da fotografia, é dedicado a encontros que o autor teve com personalidades ilustres do seu tempo: estadistas, artistas, aristocratas, etc.  Daria uma antologia que poderia furtar o título do livro de Peter Brook, Encontros com Homens Notáveis.  Stendhal conta um episódio divertido de sua estadia em Terracina (Itália) em 1817, quando, conversando com um grupo de italianos, entabulou um diálogo sobre música com um homem jovem, de cabelos claros, bem apessoado; Stendhal teceu os maiores elogios às óperas de Rossini, dizendo ser o único compositor de gênio daquela época, e pelas risadas dos outros acabou descobrindo que o jovem sentado à sua frente era o próprio Rossini.

Era uma época em que o nome de um indivíduo podia ser famoso e respeitado em toda a Europa sem que se tivesse uma idéia muito clara de como era seu rosto. A fotografia não tinha sido inventada. Nobres e reis eram conhecidos através de pinturas, desenhos e gravuras, que, como se sabe, nem sempre são unânimes em sua reconstrução de fisionomias, além de correrem o risco de ficarem rapidamente defasadas porque o indivíduo envelheceu, engordou, etc. Quantas pessoas, na Paris de Maria Antonieta, tinham visto de perto o rosto de Maria Antonieta?  Há um interessante filme sobre Napoleão (A Roupa Nova do Imperador, de Alan Taylor, 2001) em que ele foge do exílio, retorna a Paris para reconquistar o trono, mas a conspiração que o ajudou é desmontada. Ele se vê sozinho, anônimo e sem dinheiro numa cidade onde ninguém o reconhece, e não adianta dizer que é Napoleão porque há centenas de malucos dizendo o mesmo.

No conto “A Liga dos Cabeças Vermelhas” (1891), Sherlock Holmes a certa altura encontra-se frente a frente com John Clay, um bandido que ele classifica como “o quarto homem mais esperto de Londres”. Críticos perguntaram: esse homem tão esperto não saberia que aparência tinha Sherlock Holmes? Talvez sim, talvez não, mas essa é uma questão que hoje, 120 anos depois, em plena ditadura da imagem, se coloca de outra forma. No tempo de Jesus Cristo, se alguém chegasse numa cidade da Judéia dizendo ser o próprio ia ter que fazer um ou dois milagres para convencer os relutantes. Duvido que durante a vida de Jesus (mesmo durante os seus três anos de militância intensa, até a crucificação) tenham circulado desenhos ou pinturas com a representação do seu rosto. O que se tinha eram descrições e comparações verbais, imprecisas como sempre, e não era uma tarefa fácil a qualquer sujeito convencer os outros de sua própria identidade.


Braulio Tavares. in. Mundo Fantasmo

domingo, 1 de julho de 2012

O futebol*

A história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever. Ao mesmo tempo em que o esporte se tornou indústria, foi desterrando a beleza que nasce da alegria de jogar só pelo prazer de jogar. Neste mundo do fim de século, o futebol profissional condena o que é inútil, e é inútil o que não é rentável. Ninguém ganha nada com essa loucura que faz com que o homem seja menino por um momento, jogando como o menino que brinca com o balão de gás e como o gato brinca com o novelo de lã: bailarino que dança com uma bola leve como o balão que sobe ao ar e o novelo que roda, jogando sem saber que joga, sem motivo, sem relógio e sem juiz.

O jogo se transformou em espetáculo, com poucos protagonistas e muitos espectadores, futebol para olhar, e o espetáculo se transformou num dos negócios mais lucrativos do mundo, que não é organizado para ser jogado, mas para impedir que se jogue. A tecnocracia do esporte profissional foi impondo um futebol de pura velocidade e muita força, que renuncia à alegria, atrofia a fantasia e proíbe a ousadia.

Por sorte ainda aparece nos campos, embora muito de vez em quando, algum atrevido que sai do roteiro e comete o disparate de driblar o time adversário inteirinho, além do juiz e do público das arquibancadas, pelo puro prazer do corpo que se lança na proibida aventura da liberdade.

Eduardo Galeano. in. "Futebol ao Sol e à Sombra." Ed. l&pm, 2004.

Meninas más*

"... As meninas boas vão para o céu. As meninas más vão para qualquer lugar."
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