segunda-feira, 29 de julho de 2013

L' Odalisca, c. 1841.
Jean-Jacques Pradier, 1790 - 1852
Musée des Beaux-Arts, Lyon



quinta-feira, 25 de julho de 2013

Ratto delle sabine, 1574-1580 (dett.)
Jean de Boulogne (1529 – 1608)
Loggia dei Lanzi, Firenze

domingo, 21 de julho de 2013

Les lieux de la mémoire*

Photo: Robert Doisneau (1912-1994).

______Memória é vida. Seus portadores são grupos de pessoas vivas, e por isso a memória está em permanente evolução. Ela está sujeita à dialética da lembrança e do esquecimento, inadvertida de suas deformações sucessivas e aberta a qualquer tipo de uso e manipulação. Às vezes fica latente por longos períodos, depois desperta subitamente. A história é a sempre incompleta e problemática reconstrução do que já não existe. A memória sempre pertence à nossa época e está intimamente ligada ao eterno presente; a história é uma representação do passado.

*Pierre Nora. In. Les lieux de la mémoire, 1984. p. 19.


O Estrangeiro*

O “romance noir” norte-americano conta histórias angustiadas de crime, carregadas de fatalidade, desesperança, e da sensação de quem está num mundo movido por forças incompreensíveis e inconscientes de si mesmas. Nada nos impede de ver dessa maneira “O Estrangeiro” de Albert Camus. Ele é um equivalente filosoficamente mais denso das histórias policiais soturnas de James M. Cain, David Goodis, Horace McCoy. Lançado em 1942, sua repercussão crítica ao longo das décadas seguintes (aumentada com a concessão do Prêmio Nobel a Camus em 1957 e sua morte precoce, aos 46 anos, em 1960) foi associada à visão existencialista do mundo e à visão do absurdo.

Seria uma atividade tipo “o ovo ou a galinha” tentar descobrir se Camus lia romances policiais norte-americanos na Argélia ou se via os “filmes noir” dos anos 1940. Em muitos desses filmes encontramos perfeitos equivalentes do Meursault de seu livro: indivíduos sem um projeto de vida, sem um propósito, vivendo para o presente e aceitando, meio atordoados, o que o presente lhes impõe. Não têm ambições nem fazem planos para o futuro; não são capazes de grandes afetos nem de grandes ódios; avançam pela vida como que anestesiados, meio indiferentes, cultivando pequenos objetivos – arranjar algum dinheiro, ter onde dormir, comer sem fome, amar sem amor.

Meursault é assim, e é até surpreendente que uma garota como Marie Cardona queira casar com ele. A resposta dele é típica: concorda em casar com ela, “se isso a faz feliz”, mas dá a entender que nunca tomaria a iniciativa de pedi-la, e que se outra mulher lhe fizesse a proposta ele provavelmente aceitaria também. A passividade de Meursault o conduz ao crime e à condenação, quando todas as provas, em retrospecto, parecem defini-lo como um homem frio, insensível, cruel. Ele é o indivíduo alienado, disponível, sem projeto, exposto ao vento das vontades alheias, que podem levá-lo em qualquer direção. Atentados políticos são muitas vezes praticados por gente assim, gente como Lee Oswald, Sirhan Sirhan, Ali Agca. Foram soprados por uma doutrina assim como um barco é soprado pelo vento, mas essa doutrina lhes é essencialmente estranha.

“O Estrangeiro” é uma história de crime tipo “whydunit”, onde o que importa não é “quem” cometeu o crime nem “como”, e sim “por quê”. “Por causa do calor”, diz ele ao explicar ao tribunal por que abateu um árabe a tiros, na praia. Meursault é o homem absurdo, num mundo em que não chorar no enterro da mãe é tão crime quanto matar um homem. O livro se passa em Argel, mas não é difícil imaginá-lo nos EUA, a história de um rapaz do Bronx que mata um negro a tiros durante um passeio a Coney Island.


*Braulio Tavares in. Mundo Fantasmo

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O Ser para a Morte*


Photo: Ricky Brown

A publicidade da convivência cotidiana “conhece” a morte como uma ocorrência que sempre vem ao encontro, ou seja, como “casos de morte”. Esse ou aquele, próximo ou distante, “morre”. Desconhecidos “morrem” dia a dia, hora a hora. “A morte” vem ao encontro como um acontecimento conhecido, que ocorre dentro do mundo. Como tal, ela permanece na não-surpresa característica de tudo aquilo que vem ao encontro da cotidianidade. (...) O discurso pronunciado ou, no mais das vezes, “difuso” sobre a morte diz o seguinte: algum dia, por fim, também se morre mas, de imediato, não se é atingido pela morte.

*Martin Heidegger. In. “Ser e Tempo”. Ed. Vozes, 2005, pp.35. (v.2).

Da Morte dos Paradigmas*

Affonso Romano De Sant´Anna (BH-1937).

"A chamada 'pós-modernidade' é uma situação curiosíssima. Como falar de paradigmas dentro de um contexto cultural em que se tornou comum negar o paradigma? Teriam, os paradigmas, deixado de existir? Ou a negação do paradigma pertence a outro tipo de paradigma? A negação do paradigma pode ser analisada paradigmaticamente.

E, aí, começamos a fazer uma análise da teoria do discurso e da retórica que envolve essa questão. Thomas Kuhn perguntava: “Por que alguém pode se dedicar a resolver enigmas? Por que a sua libido se concentra nessa façanha? Como o seu imaginário se mobiliza para isso?”. No caso das ciências sociais ele dizia que talvez fosse o desejo de ser útil, de percorrer caminhos novos, a esperança de descobrir uma ordem ou a necessidade de pôr à prova o conhecido e estabelecido.

Eu acrescentaria que nessa questão do confronto com os paradigmas exauridos, paradigmas que não nos satisfazem, o cientista, o teórico e o artista se dedicam a resolver ou enfrentar este enigma, também, por uma questão pessoal. Ou seja, enquanto certos problemas não se transformam em problemas pessoais, nós não os enfrentamos com a devida coragem e audácia.

Dizia Hannah Arendt que se ela não conseguisse entender a lógica do nazismo, ela enlouqueceria, portanto, se dedicou a estudar isso. De alguma maneira, acho que o desafio hoje, diante da nossa cultura, é o mesmo: essa intersecção entre o sujeito e o seu tempo, o sujeito e o seu momento histórico.

A contemporaneidade se meteu em uma irremissível poética da dispersão. Foi uma grande conquista que a modernidade trouxe, e a pós-modernidade também, mas toda conquista implica o surgimento de novos problemas para manter o domínio e, quando o império vai além do que pode e expande suas fronteiras, dilui-se e começa o seu declínio.

Por isso, a situação da pós-modernidade, sobretudo, me faz lembrar de uma frase de Jean Luc Chalumeau que dizia que a nossa situação, hoje, lembra a de Alexandre, O Grande, que, depois de ter conquistado todo o mundo, só podia chorar e ficar deprimido por não ter mais nada o que conquistar. Pois nós acabamos de sair de um século mortal e mortífero. Morte de Deus, morte da história, morte do homem, morte da arte e quase morte da morte.

Nesse sentido, o vasto cemitério em que perambulamos, como zumbis, entre o sentido e o não sentido, complementa – e isso é grave – a mais devastadora orgia de sangue, destruição e guerras que a história já teve. Teorizar sobre a morte de certas categorias pode não fazer jorrar sangue no papel, mas sim apenas justificar a morte onde quer que ela esteja."


*Affonso Romano De Sant´Anna. In. Fronteiras do Pensamento

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Excesso de sentidos*

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

*Fernando Pessoa in. “Poesia de Álvaro de Campos”. Ed. Martin Claret, 2006, p. 208.
_______ 
“Primavera” Spring, c. 1992.
Katia Malizia, ( Italy – 1968).


terça-feira, 9 de julho de 2013

Abismo*

Serge Marshennikov, c.2008.

Eu adormeço às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo.

*Eduardo Galeano in. “Mulheres”. Ed. l&pm, 2007, p.28.



sexta-feira, 5 de julho de 2013

O Acaso dos Olhares*

a composição das cores não resume a vida.
há sentimentos intraduzíveis, amarguras perdidas no passado,
ânimos desfeitos pelos sonhos vagabundos.
não adianta exaltar o vermelho, apagar o cinza, confundir o branco com a paz.
os significados não testemunham a permanência.
cada olhar redefinido no susto conta uma história inesperada.
o jogo é da sorte e do azar,
os limites se inventam inutilmente,
os espelhos conservam segredos que os deuses desconhecem.
o labirinto é moradia aflita dos paraísos.

*Antonio Paulo Rezende in. A Astúcia de Ulisses

_______
Femme en pleurs, c. 1937.
Pablo Picasso, 1881-1973.




quarta-feira, 3 de julho de 2013

Roda viva*

_____A humanidade concordou em desconhecer que a morte seja também a juventude do mundo. De olhos vendados recusamo-nos a ver que só a morte incessantemente assegura um rejuvenescimento sem o qual a vida declinaria. Recusamo-nos a ver que a vida é a armadilha oferecida ao equilíbrio, que a vida é inteiramente instabilidade e desequilíbrio e que neles se precipita. É um movimento tumultuoso que incessantemente provoca a explosão, mas explosão incessante, que não cessa de esgotar, e que só pode prosseguir sob uma condição: a de que os seres que ela gera e cuja força explosiva está esgotada cedam o lugar a novos seres que entram na roda com nova força.

*Georges Bataille in. “O Erotismo”. Ed. Antígona, 1988, p.52.

________
Morning bouquet.
Alfred Guillou, 1884-1926


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