sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A Guilhotina*



Uma alta porta sem porta, um batente vazio. No alto, suspensa, a lâmina mortal.

Teve vários nomes: a Máquina, a Viúva, a Barbeadora. Quando decapitou o rei Luís, passou a se chamar Luisinha. E finalmente foi batizada, para sempre, de Guilhotina.

Em vão foram os protestos de Joseph Guillotin. Mil vezes alegou que não era filha dele essa carrasca que semeava terror e atraía multidões. Ninguém escutava as razões daquele médico, inimigo jurado da pena de morte: dissesse o que dissesse, todo mundo continuava acreditando que ele era o pai da atriz principal do espetáculo mais popular das praças de Paris.

E todo mundo também acreditou, e continua acreditando, que Guillotin morreu guilhotinado. Na verdade, ele exalou o último suspiro na paz do leito, com a cabeça bem colada no corpo.

A guilhotina trabalhou até 1977, quando um modelo ultra-rápido, de comando elétrico, executou um imigrante árabe no pátio da prisão de Paris.


Eduardo Galeano. in. Espelhos. Ed. L&PM, 2009. pp. 172-3.
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