quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O Bosque de Birnam*



Macbeth é um nobre escocês que certa noite hospeda o rei em seu castelo. Quando o rei está dormindo, Macbeth entra no quarto, corta-lhe a garganta e assume o trono da Escócia, de espada em punho, olhando em redor com aquela cara de “Que foi que viu? Vai encarar?!” Como dizia Dom Pedro Dinis Quaderna, uma maneira muito européia e fidalga de tornar-se rei.

Preocupado, Macbeth vai se consultar com as feiticeiras locais, e elas lhe dizem que, entre outros sinais, ele só será derrubado do trono “quanto o bosque de Birnam chegar a Dunsinane”, que é o castelo onde ele mora. É um pouco como dizer – quando a Floresta da Tijuca chegar ao Palácio do Catete. Macbeth sente firmeza e começa a praticar os maiores despautérios, até que os outros nobres mobilizam as tropas e marcham contra seu castelo. Ao passarem por Birnam, eles, sem sequer saberem da profecia, cortam os galhos das árvores e os empunham, para disfarçar o número de seus soldados. Macbeth recebe o alarma, vai até a muralha de Dunsinane, e o que vê no horizonte? O bosque de Birnam marchando na direção do seu castelo.

É vezo das profecias parecerem impossíveis e depois se concretizarem graças a um pulo-do-gato qualquer. Há um livro notável e pouco conhecido de Malba Tahan intitulado Sob o Olhar de Deus, que em sua primeira edição tinha o título “O Aviso da Morte”, mais descritivo do seu conteúdo. Célio Musafir, um escritor de sucesso, recebe uma noite a visita da Morte, que faz um pacto com ele: quando chegar a hora de levá-lo embora, lhe dará um aviso. Aliviado com esta promessa, Musafir passa a viajar, ter aventuras, fazer caçadas, escalar montanhas, etc., confiante de que a Morte cumprirá a palavra. Anos depois ela volta a lhe aparecer e diz que está na hora. Ele reclama que não recebeu aviso nenhum. E a Morte diz: “Meu amigo! E aquelas avalanches na montanha, e aquele tigre que quase o alcançou, e aquele seu barco que naufragou, etc. – isso não foi aviso suficiente de que eu estava chegando perto?!”

Compreensivelmente, ele diz que não entendeu assim. Quer um aviso claro, inconfundível; e a Morte diz: “Então tá bom. Escolha o aviso”. Ele pensa um pouco e diz: “Quero que o aviso seja esta cena: uma mulher de preto, sentada num piano, à luz de velas, tocando a Marcha Fúnebre de Chopin”. A Morte aceita: “Tá legal. Quando chegar sua hora, você verá exatamente isso”. E desaparece.

Musafir respira aliviado e pensa: “Bom, tudo que eu tenho a fazer daqui em diante é deixar de ir a concertos de piano”. E vai à janela, para fechá-la e ir dormir. Quando chega lá, vê do lado oposto da rua que na mansão em frente está havendo uma festa: pela janela ele vê a sala da mansão, e bem ali, no meio, adivinhem o quê. Ele vacila, cambaleia, leva a mão ao coração e (a frase final é uma citação de Dante) “caiu como um corpo morto cai”. Bem feito. Ele, um homem culto, leitor dos clássicos, deveria saber que o bosque de Birnam sempre chega a Dunsinane.

  
Braulio Tavares in. Mundo Fantasmo

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