Tudo está na natureza encadeado
e em movimento – cuspe, veneno, tristeza, carne, moinho, lamento, ódio, dor,
cebola e coentro, gordura, sangue, frieza, isso tudo está no centro de uma
mesma e estranha mesa / Misture cada elemento – uma pitada de dor, uma colher de
fomento, uma gota de terror / O suco dos sentimentos, raiva, medo ou desamor, produz
novos condimentos, lágrima, pus e suor / Mas, inverta o segmento, intensifique
a mistura, temperódio, lagrimento, sangalho com tristezura, carnento,
venemoinho, remexa tudo por dentro, passe tudo no moinho, moa a carne, sangre o
coentro, chore e envenene a gordura / Você terá um ungüento, uma baba, grossa e
escura, essência do meu tormento e molho de uma fritura de paladar violento que,
engolindo, a criatura repara o meu sofrimento co’a morte, lenta e segura / Eles
pensam que a maré vai mas nunca volta / Até agora eles estavam comandando o meu
destino e eu fui, fui, fui, fui recuando, recolhendo fúrias. Hoje eu sou onda
solta e tão forte quanto eles me imaginam fraca / Quando eles virem invertida a
correnteza, quero saber se eles resistem à surpresa, quero ver como eles reagem
à ressaca.
BUARQUE,
Chico e PONTES, Paulo. “Gota D’Água”. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira Ed., 1982, pp.160-161.