quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Gota d´água*


Tudo está na natureza encadeado e em movimento – cuspe, veneno, tristeza, carne, moinho, lamento, ódio, dor, cebola e coentro, gordura, sangue, frieza, isso tudo está no centro de uma mesma e estranha mesa / Misture cada elemento – uma pitada de dor, uma colher de fomento, uma gota de terror / O suco dos sentimentos, raiva, medo ou desamor, produz novos condimentos, lágrima, pus e suor / Mas, inverta o segmento, intensifique a mistura, temperódio, lagrimento, sangalho com tristezura, carnento, venemoinho, remexa tudo por dentro, passe tudo no moinho, moa a carne, sangre o coentro, chore e envenene a gordura / Você terá um ungüento, uma baba, grossa e escura, essência do meu tormento e molho de uma fritura de paladar violento que, engolindo, a criatura repara o meu sofrimento co’a morte, lenta e segura / Eles pensam que a maré vai mas nunca volta / Até agora eles estavam comandando o meu destino e eu fui, fui, fui, fui recuando, recolhendo fúrias. Hoje eu sou onda solta e tão forte quanto eles me imaginam fraca / Quando eles virem invertida a correnteza, quero saber se eles resistem à surpresa, quero ver como eles reagem à ressaca.

BUARQUE, Chico e PONTES, Paulo. “Gota D’Água”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira Ed., 1982, pp.160-161.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...