sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Fundação da infância*


Quando não eram mortas pela peste, as crianças pobres eram levadas pelo frio ou pela fome. A execução pela fome podia ocorrer nos primeiros dias, se não sobrasse leite suficiente nas tetas das mães, que eram amas-de-leite pobres de bebês ricos.

Mas tampouco os bebês de bom berço chegavam a uma vida fácil. Por toda a Europa, os adultos contribuíam para aumentar a taxa de mortalidade infantil submetendo seus filhos a uma educação severa.

O ciclo educativo começava quando o bebê era transformado em múmia. A cada dia, os serviçais o embutiam, da cabeça aos pés, num embrulho de vendas e faixas muito apertadas.

Assim se fechavam seus poros à passagem das pestes e aos vapores satânicos que povoavam o ar, e se conseguia que a criatura não incomodasse os adultos. O bebê, prisioneiro, mal podia respirar, nem pensava em chorar, e suas pernas e braços amarrados o proibiam de se mover.

Se as chagas ou a gangrena não o impedissem, aquele pacote humano passava para as etapas seguintes. Através do uso de correias era ensinado a ficar de pé e a caminhar como Deus manda, evitando o costume animal de andar de quatro. E depois, quando já estava mais crescidinho, começava o uso intensivo da chibata de nove tiras, dos bastões, das palmatórias, das varas de madeira ou dos vergalhões e outros instrumentos pedagógicos.

Nem os reis se salvaram. O rei francês Luís XIII foi coroado quando completou oito anos, e começou o dia recebendo sua dose de açoite.

O rei sobreviveu à sua infância.

Outras crianças também sobreviveram, sabe-se lá como, e foram adultos perfeitamente preparados para educar seus filhos.


Eduardo Galeano. in. "Espelhos". Ed. L&PM, 2009, pp. 85-86.

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