domingo, 4 de agosto de 2013

Photo: Édouard Boubat, 1923-1999

Durkheim disse uma frase muito justa: "A lei segue os costumes". Isso quer dizer que a lei só aparece depois. Primeiro, há algo que é vivido, depois surge uma maneira de pôr ordem nesse vivido. Mas, o problema que enfrentamos cada vez mais é que os diversos discursos, nas diversas instâncias do saber, são totalmente abstratizados, são tornados abstratos da experiência vital. Tomemos a palavra abstratizado ou abstratização no seu sentido simples: retirar-se do vivido. 

O pensamento contemporâneo não está mais organicamente ligado ao vivido: pelo contrário, está totalmente desligado. Assim, há que voltar à experiência vital, voltar a uma atitude que é uma atitude radical. Aliás, lembro que os grandes pensadores foram os que tiveram um pensamento radical, de raiz. É o caso de Marx. Seu pensamento reivindicava, para o século XIX, ir à raiz das coisas. Jung e Freud também tiveram o mesmo pensamento radical. 

Se há uma palavra que pode resumir o que vivemos e o que é nossa cultura, é a palavra "separação". O conceito hegeliano de separação nasceu de uma expressão filosófica, mas já a Bíblia – e é importante referir-se a ela como um dos livros fundadores dessa tradição cultural – diz: "Deus separou a luz das trevas". E é a partir dessa separação original que vai haver um processo de dicotomização do mundo.

A natureza e a cultura, o corpo e o espírito, o corporal e o espiritual. E tudo em conformidade com isso. Uma multiplicidade de dicotomizações que se baseia – e é o que chamo abstratização – no fato de que se vai separar as coisas, de que se vai analisá-las. Foi essa abstratização, foi esse procedimento analítico que fez o modelo ocidental do desenvolvimento científico e tecnológico. Mas talvez, agora, tenhamos chegado ao fim desse processo e algo diferente deverá surgir.

Michel Maffesoli, sociólogo francês
Fonte: Fronteiras do Pensamento | conferência "O espaço da memória”

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