CHEGADA
DE RAUL SEIXAS AO CASTELO DE AVALON
Brilhava
a lua cheia sobre o lago congelado de Avalon
Zunia
o vento fustigando as garras fractais do arvoredo
Menestréis
e neuromantes distraíam os convivas no salão
E
na varanda um drúida recitava um cordel de Castañeda.
Era uma noite escura como as grutas de Sabá
e as fogueiras do castelo crepitavam sem
parar...
A Távola Redonda celebrava o Ritual do
Resplendor.
Dezesseis orientais, numa tela de cinema
começavam a traçar com hexagramas um teorema,
quando um calafrio de terror arrepiou o Rei
Artur...
Alguém desconhecido se
aproximava do portão
cantando feito um bêbado
em dia de inundação
um rock do tipo “wo-bop-pa-baluba
wop-bop bem-bum...”
E no meio da neve dos
bosques os lobos uivavam:
- Rauuuuuullll...
O
mago Merlin empunhou o seu binóculo.
O
mago Crowley embainhou o seu punhal.
Os
dragões do reino o cercaram. Os vídeo-monitores o focaram.
E
ele rodeava a muralha do castelo dançando com a própria sombra
como
um menino, ou como um velho;
e
as imagens se alternavam nos monitores do salão
num
arranjo serial da sua canção...
E ouvindo aquele bolero
meio baião e meio blue,
O chinês Lao-Tsé e o
judeu Leopold Bloom
discutiam quais as
chances de sucesso de um filósofo zulu...
E no meio da neve do
bosque os lobos uivavam:
- RauuuuuullllII...
Mas
ele não gritava pras janelas, nem tocava no portão
puxava
atrás de si, atada a cordas, uma carga de coisas...
E
os Templários contemplaram numa tela de alta definição
a
carga que o peregrino arrastava, no limite das forças...
A carroça de uns saltimbancos achada no chão de
outro planeta;
um astrônomo caldeu manuseando uma luneta;
bailarinas metaleiras seduzindo a virgindade de
um Xamã...
Ossadas de elefantes no cemitério dos automóveis;
um velho Dr. Frankenstein rodeado de monstros
jovens
e o olho com a calma kamikaze de quem já foi no
sertão...
O olho chamejante de um alquimista tropical
que engoliu a semente
do Fruto do Bem e do Mal
com um gole de Santo
Daime
na taça do Santo Graal
em jejum...
E no meio da neve do
bosque, os lobos uivavam:
- Rauuuulll...
Braulio
Tavares in. O Homem Artificial. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999, pp. 62-63.