"Em
nenhum outro país os ricos demonstram mais ostentação que no Brasil. Apesar
disso, os brasileiros ricos são pobres. São pobres porque compram sofisticados
automóveis importados, com todos os exagerados equipamentos da modernidade, mas
ficam horas engarrafados ao lado dos ônibus de subúrbio. E, às vezes, são
assaltados, seqüestrados ou mortos nos sinais de trânsito. Presenteiam belos
carros a seus filhos e não voltam a dormir tranqüilos enquanto eles não chegam
em casa. Pagam fortunas para construir modernas mansões, desenhadas por
arquitetos de renome, e são obrigados a escondê-las atrás de muralhas, como se
vivessem nos tempos dos castelos medievais, dependendo de guardas que se
revezam em turnos.
Os ricos brasileiros
usufruem privadamente tudo o que a riqueza lhes oferece, mas vivem encalacrados
na pobreza social. Na sexta-feira, saem de noite para jantar em restaurantes
tão caros que os ricos da Europa não conseguiriam freqüentar, mas perdem o
apetite diante da pobreza que ali por perto arregala os olhos pedindo um pouco
de pão; ou são obrigados a restaurantes fechados, cercados e protegidos por
policiais privados. Quando terminam de comer escondidos, são obrigados a tomar
o carro à porta, trazido por um manobrista, sem o prazer de caminhar pela rua,
ir a um cinema ou teatro, depois continuar até um bar para conversar sobre o
que viram. Mesmo assim, não é raro que o pobre rico seja assaltado antes de
terminar o jantar, ou depois, na estrada a caminho de casa. Felizmente isso nem
sempre acontece, mas certamente, a viagem é um susto durante todo o caminho. E,
às vezes, o sobressalto continua, mesmo dentro de casa.
Os ricos
brasileiros são pobres de tanto medo. Por mais riquezas que acumulem no
presente, são pobres na falta de segurança para usufruir o patrimônio no
futuro. E vivem no susto permanente diante das incertezas em que os filhos
crescerão. Os ricos brasileiros continuam pobres de tanto gastar dinheiro
apenas para corrigir os desacertos criados pela desigualdade que suas riquezas
provocam: em insegurança e ineficiência.
No lugar de
usufruir tudo aquilo com que gastam, uma parte considerável do dinheiro nada
adquire, serve apenas para evitar perdas. Por causa da pobreza ao redor, os
brasileiros ricos vivem um paradoxo: para ficarem mais ricos têm de perder
dinheiro, gastando cada vez mais apenas para se proteger da realidade hostil e
ineficiente.
Quando viajam ao
exterior, os ricos sabem que no hotel onde se hospedarão serão vistos como assassinos
de crianças na Candelária, destruidores da Floresta Amazônica, usurpadores da
maior concentração de renda do planeta, portadores de malária, de dengue e de
verminoses. São ricos empobrecidos pela vergonha que sentem ao serem vistos
pelos olhos estrangeiros.
Na verdade, a
maior pobreza dos ricos brasileiros está na incapacidade de verem a riqueza que
há nos pobres. Foi esta pobreza de visão que impediu os ricos brasileiros de
perceberem, cem anos atrás, a riqueza que havia nos braços dos escravos
libertos se lhes fosse dado direito de trabalhar a imensa quantidade de terra
ociosa de que o país dispunha. Se tivesse percebido essa riqueza e libertado a
terra junto com os escravos, os ricos brasileiros teriam abolido a pobreza que
os acompanha ao longo de mais de um século. Se os latifúndios tivessem sido
colocados à disposição dos braços dos ex-escravos, a riqueza criada teria
chegado aos ricos de hoje, que viveriam em cidades sem o peso da imigração
descontrolada e com uma população sem miséria.
A pobreza de visão
dos ricos impediu também de verem a riqueza que há na cabeça de um povo
educado. Ao longo de toda a nossa história, os nossos ricos abandonaram a
educação do povo, desviaram os recursos para criar a riqueza que seria só
deles, e ficaram pobres: contratam trabalhadores com baixa produtividade,
investem em modernos equipamentos e não encontram quem os saiba manejar, vivem
rodeados de compatriotas que não sabem ler o mundo ao redor, não sabem mudar o
mundo, não sabem construir um novo país que beneficie a todos. Muito mais ricos
seriam os ricos se vivessem em uma sociedade onde todos fossem educados.
Para poderem usar
os seus caros automóveis, os ricos construíram viadutos com dinheiro de colocar
água e esgoto nas cidades, achando que, ao comprar água mineral, se protegiam
das doenças dos pobres. Esqueceram-se de que precisam desses pobres e não podem
contar com eles todos os dias e com toda saúde, porque eles (os pobres) vivem
sem água e sem esgoto. Montam modernos hospitais, mas tem dificuldades em
evitar infecções porque os pobres trazem de casa os germes que os contaminam.
Com a pobreza de achar que poderiam ficar ricos sozinhos, construíram um país
doente e vivem no meio da doença.
Há um grave quadro
de pobreza entre os ricos brasileiros. E esta pobreza é tão grave que a maior
parte deles não percebe. Por isso a pobreza de espírito tem sido o maior
inspirador das decisões governamentais das pobres ricas elites
brasileiras.
Se percebessem a
riqueza potencial que há nos braços e nos cérebros dos pobres, os ricos
brasileiros poderiam reorientar o modelo de desenvolvimento em direção aos
interesses de nossas massas populares. Liberariam a terra para os trabalhadores
rurais, realizariam um programa de construção de casas e implantação de redes
de água e esgoto, contratariam centenas de milhares de professores e colocariam
o povo para produzir para o próprio povo. Esta seria uma decisão que
enriqueceria o Brasil inteiro - os pobres que sairiam da pobreza e os ricos que
sairiam da vergonha, da insegurança e da insensatez.
Mas isso
é esperar demais. Os ricos são tão pobres que não percebem a triste pobreza em
que usufruem suas malditas riquezas".
Texto de Cristóvam Buarque