Suponhamos
que daqui a 100 anos a atual crise ambiental se agravou a um tal ponto que a
poluição envenenou a atmosfera de modo irremediável. Para sobreviver, a
humanidade construiu imensas usinas produtoras de cilindros de oxigênio, que
são acoplados aos nossos narizes desde o momento em que o cordão umbilical do
bebê é cortado na maternidade. Todo ser humano vive feito um mergulhador, com
aquele trambolho de metal numa mochila às costas e os tubos flexíveis
conduzindo aos pulmões o gás indispensável à vida. É de graça? Quem dera.
As indústrias e os governos cobram, e cobram caro por isso. Mas todo mundo
paga, ou melhor, quem está vivo é porque consegue pagar. Os que não conseguiram
não pertencem mais à paisagem.
Um
belo dia, um grupo de indústrias independentes inventa um processo químico de
limpar a atmosfera e num piscar de olhos, em 20 ou 30 anos, o ar volta a ser
uniformemente respirável, ou pelo menos fica igual a este ar que respiramos em
2012. E agora? O mundo entra em crise. Dezenas de milhões de
desempregados superlotam a Praça Tahir, a Plaza de Mayo, Wall Street, o Vale do
Anhangabaú. “Queremos de volta a indústria do oxigênio”, bradam eles,
arquejantes (e meio bêbados, claro, seus pulmões não estavam acostumados àquela
overdose). Os governos arrancam os cabelos porque vão ficar sem os 71% de
impostos que cobravam sobre a indústria respiratória. Filósofos ponderam:
“Respirar de graça empobrece o senso de responsabilidade dos cidadãos. E esse
desperdício de oxigênio não-respirado, francamente!”.
É
uma crise assim que a tecnologia digital está precipitando num mundo que estava
deixando de ter Cultura para ter Indústria Cultural. Os aspectos industriais e
suas prioridades tomaram a frente, e a gente criou este universo surrealista em
que a Cultura, que é o compartilhamento livre de informações e contatos entre
as pessoas e os grupos, virou uma “commodity”, e nos preocupamos mais com a
geração de empregos do que com a geração de idéias. É uma grave crise para todo
mundo que ganhava dinheiro com música, filmes e livros – por uma coincidência
sinistra, as três coisas com que eu próprio ganho a vida. O que fazer?
Ser contra? Não, amigo. Descobrir maneiras alternativas de ganhar dinheiro.
Cultura é oxigênio, não pode ser nem estatizada nem privatizada, pertence aos
animais individuais que somos, e não a Instituições. Na nossa cultura,
aceitamos como normal que não se ganhe dinheiro para pular carnaval ou para
fazer sexo. Por que essa atitude não pode ser estendida a outras atividades?
Por que tudo tem que ser medido em termos de dinheiro? Há mil outras
maneiras de ganhar dinheiro.
Braulio
Tavares. in Mundo Fantasmo