Sartre e Foucault em meio aos protestos de maio de 68
O “breve século XX” de revoluções e guerras de religião
ideológica tornar-se-ia a era característica do engajamento político dos
intelectuais. Eles não só defendiam suas próprias causas na época do
antifascismo e depois do socialismo de Estado, mas também eram vistos dos dois
lados como reconhecidos pesos pesados do intelecto. Seu período de glória estendeu-se do fim da
Segunda Guerra Mundial ao colapso do comunismo. Foi essa a grande época das
mobilizações contra alguma coisa: contra a guerra nuclear, contra as últimas
guerras imperiais da velha Europa e as primeiras do novo império mundial
americano (Argélia, Suez, Cuba, Vietnã), contra o stalinismo, contra a invasão
soviética da Hungria e da Tchecoslováquia, e assim por diante. Os intelectuais
formavam a linha de frente de quase todas.
(...) Essa era do intelectual como principal face pública
de oposição política recuou para o passado. Onde estão os grandes promotores de
campanhas e signatários de manifestos? Com poucas e raras exceções, mais
notavelmente o americano Noam Chomsky, estão calados ou mortos. Onde estão os
celebrados maîtres à penser da
França, os sucessores de Sartre, Marelau-Ponty, Camus e Raymond Aron, de
Foucault, Althusser, Derrida e Bourdieu? Os ideólogos do fim do século XX
preferiram abandonar a tarefa de buscar a razão e a mudança social, deixando-a
para as operações automáticas de um mundo de indivíduos puramente racionais,
supostamente maximizando seus benefícios através de um mercado que opera
racionalmente e tem uma tendência natural, quando livre de interferência
externa, a alcançar um equilíbrio duradouro. Numa sociedade de incessante entretenimento
de massa, os ativistas agora acham os intelectuais menos úteis como fonte de
inspiração duradoura de causas do que roqueiros e astros de cinema mundialmente
famosos. Os filósofos já não têm condições de competir com Bono ou Eno, a não
ser que se reclassifiquem como essa nova figura do novo mundo do espetáculo
midiático – a “celebridade”. Vivemos uma nova era, ao menos até que o ruído
universal de autoexpressão do Facebook e os ideais igualitários da internet
produzam seu pleno efeito público.
O declínio dos grandes intelectuais protestativos deve-se,
portanto, não apenas ao fim da Guerra Fria, mas à despolitização de cidadãos
ocidentais num período de crescimento econômico e ao triunfo da sociedade de
consumo. O trajeto que vai do ideal democrático da ágora ateniense às
irresistíveis tentações de shopping center reduziu o espaço disponível para a
grande força demoníaca dos séculos XIX e XX: a saber, a crença em que a ação
política era o jeito de aperfeiçoar o mundo. A rigor, o objetivo da
globalização neoliberal era precisamente reduzir o tamanho, o escopo e as
intervenções públicas do Estado. Nisso, foi parcialmente bem-sucedida.
*Eric Hobsbawm in. “Tempos Fraturados: cultura e sociedade
no século XX”. Ed. Companhia das Letras, 2013, pp. 230-231.