Os direitos humanos se
humilham aos pés dos direitos das máquinas. São cada vez mais numerosas as
cidades, sobretudo cidades do sul, onde as pessoas são proibidas. Impunemente,
os automóveis usurpam o espaço humano, envenenam o ar e, frequentemente,
assassinam os intrusos que invadem seu território conquistado. Qual a diferença
entre a violência que mata com motor e a violência que mata com faca ou bala? (...)
A caçada aos que caminham integra as rotinas da vida cotidiana nas grandes
cidades latino-americanas, onde a armadura de quatro rodas estimula a
tradicional prepotência dos que mandam e dos que agem como se mandassem. A
carteira de motorista equivale ao porte de arma e dá permissão para matar. Há
cada vez mais energúmenos dispostos a esmagar quem lhes atravesse o caminho.
Nestes últimos tempos, tempos de histeria da insegurança, à impune truculência
sobre rodas soma-se o pânico dos assaltos e dos seqüestros. Torna-se cada vez
mais perigoso, e cada vez menos freqüente, parar o carro diante da luz vermelha
da sinaleira: em algumas cidades, a luz vermelha é como uma ordem de
aceleração. As minorias privilegiadas, condenadas ao medo perpétuo, pisam no
acelerador para fugir da realidade, e a realidade é essa coisa muito perigosa
que espreita do outro lado dos vidros fechados do automóvel.
*Eduardo Galeano in. “De
Pernas pro Ar: a escola do mundo ao avesso”. Ed. l&pm, 2011, pp. 237-250.