Nesta civilização onde as
coisas importam cada vez mais e as pessoas cada vez menos, os fins foram
seqüestrados pelos meios: as coisas te compram, o automóvel te governa, o
computador te programa, a Tv te vê. (...) As coisas têm atributos humanos,
acariciam, acompanham, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o carro é o
amigo que nunca falha. A cultura de consumo fez da sociedade o mais lucrativo
dos mercados. Os dolorosos vazios do peito são preenchidos com coisas ou com o
sonho de possuí-las. E as coisas não se limitam a abraçar: elas também podem
ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as alfândegas
da sociedade de classes, chaves que abrem portas proibidas. Quanto mais
exclusivas, melhor: as coisas te escolhem e te salvam do anonimato
multitudinário. (...) Dizes-me quanto [e o quê] consomes, dir-te-ei quanto
vales. (...).
*Eduardo Galeano in. “De
Pernas pro Ar: a escola do mundo ao avesso”. Ed. l&pm, 2011, pp. 255-277.