sexta-feira, 7 de junho de 2013

Os intelectuais: papel, função e paradoxo*


Sartre e Foucault em meio aos protestos de maio de 68

O “breve século XX” de revoluções e guerras de religião ideológica tornar-se-ia a era característica do engajamento político dos intelectuais. Eles não só defendiam suas próprias causas na época do antifascismo e depois do socialismo de Estado, mas também eram vistos dos dois lados como reconhecidos pesos pesados do intelecto.  Seu período de glória estendeu-se do fim da Segunda Guerra Mundial ao colapso do comunismo. Foi essa a grande época das mobilizações contra alguma coisa: contra a guerra nuclear, contra as últimas guerras imperiais da velha Europa e as primeiras do novo império mundial americano (Argélia, Suez, Cuba, Vietnã), contra o stalinismo, contra a invasão soviética da Hungria e da Tchecoslováquia, e assim por diante. Os intelectuais formavam a linha de frente de quase todas.

(...) Essa era do intelectual como principal face pública de oposição política recuou para o passado. Onde estão os grandes promotores de campanhas e signatários de manifestos? Com poucas e raras exceções, mais notavelmente o americano Noam Chomsky, estão calados ou mortos. Onde estão os celebrados maîtres à penser da França, os sucessores de Sartre, Marelau-Ponty, Camus e Raymond Aron, de Foucault, Althusser, Derrida e Bourdieu? Os ideólogos do fim do século XX preferiram abandonar a tarefa de buscar a razão e a mudança social, deixando-a para as operações automáticas de um mundo de indivíduos puramente racionais, supostamente maximizando seus benefícios através de um mercado que opera racionalmente e tem uma tendência natural, quando livre de interferência externa, a alcançar um equilíbrio duradouro. Numa sociedade de incessante entretenimento de massa, os ativistas agora acham os intelectuais menos úteis como fonte de inspiração duradoura de causas do que roqueiros e astros de cinema mundialmente famosos. Os filósofos já não têm condições de competir com Bono ou Eno, a não ser que se reclassifiquem como essa nova figura do novo mundo do espetáculo midiático – a “celebridade”. Vivemos uma nova era, ao menos até que o ruído universal de autoexpressão do Facebook e os ideais igualitários da internet produzam seu pleno efeito público.

O declínio dos grandes intelectuais protestativos deve-se, portanto, não apenas ao fim da Guerra Fria, mas à despolitização de cidadãos ocidentais num período de crescimento econômico e ao triunfo da sociedade de consumo. O trajeto que vai do ideal democrático da ágora ateniense às irresistíveis tentações de shopping center reduziu o espaço disponível para a grande força demoníaca dos séculos XIX e XX: a saber, a crença em que a ação política era o jeito de aperfeiçoar o mundo. A rigor, o objetivo da globalização neoliberal era precisamente reduzir o tamanho, o escopo e as intervenções públicas do Estado. Nisso, foi parcialmente bem-sucedida.


*Eric Hobsbawm in. “Tempos Fraturados: cultura e sociedade no século XX”. Ed. Companhia das Letras, 2013, pp. 230-231.

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