quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Retrato do cinema quando jovem*


[...] Nos primeiros anos dessa invenção, ela é uma arte entre outras. Sua sedução deriva do encontro da ciência e da tecnologia com o encantamento pelo novo e de um surpreender pela ilimitabilidade humana na criação de artefatos os mais diversos e complicados. Aparece simultaneamente em vários países e regiões, com diferenças pouco consideráveis no seu mecanismo e com nomes os mais distintos. O final do século XIX diverte-se, em todo o mundo, com os omniógrafos, cinematógrafos, vitascópios, kinetoscópios e outras dezenas de aparelhos com funções similares.

A experimentação cientifica e mecânica, matriz desses diferentes aparelhos, não estava apenas a serviço da produção industrial. Fazia desenvolver-se, e a olhos vistos, a indústria da diversão, cada vez mais transformada em diversão de massa.

Os grandes pais do cinema francês – Louis e Auguste Lumière e Georges Méliès – representam essas duas tendências. Os irmãos Lumière rendem-se aos limites da máquina, como industriais bem-sucedidos; Méliès, empresário do setor de diversões e ele próprio dublê de inventor, mágico, comediógrafo e empresário das artes, vislumbra o potencial do cinematógrafo de Lumière como diversão popular que renovaria e atrairia o público para seu estabelecimento. A sede de novidade expressa pelo público pagante veio ao encontro da necessidade de abertura do mercado para a nova modalidade de lazer.

Como diversão, o cinema entra numa longa linhagem de maquinários e de atrações fantásticas, fantasmagóricas, assombrosas, de cujo sucesso não estão ausentes da influencia da grande difusão das diferentes formas de espiritismo e mesmo a revalorização da tradição ocultista.

O cinema, pois, encontra o seu espaço nesse frágil limite entre o racional e o irracional e psicológico onde a derivação do sonho-realidade-materialidade-fantasia se encontra. Esse lugar psicológico já fora ocupado antes por outras formas de diversão pública e já fora penetrado em seus meandros pelo mercado consumidor. O cinema é assim associado ao sonho, portanto, apresenta-se como algo já incorporado à experiência mais particular e imediata de todas as pessoas.

De algo que desperta o interesse e que está na experiência interior de cada um à incorporação no cotidiano bastou um passo. E esse passo foi dado em todo o mundo, menos a partir de uma evolução industrial particular, mas especialmente seguindo os intercâmbios comerciais.

O cinema é uma mercadoria a mais, a despeito de o velho Antoine Lumière ter-se recusado a vender um aparelho de cinematógrafo a Méliès, julgando-o sem futuro como diversão pública. 


Teresinha Queiroz in. “História, arte e invenção”. Ed. Intermédios/Edufpi/Cnpq, 2012, pp. 81-83.


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