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Nos primeiros anos dessa invenção, ela é uma arte entre outras. Sua sedução
deriva do encontro da ciência e da tecnologia com o encantamento pelo novo e de
um surpreender pela ilimitabilidade humana na criação de artefatos os mais
diversos e complicados. Aparece simultaneamente em vários países e regiões, com
diferenças pouco consideráveis no seu mecanismo e com nomes os mais distintos.
O final do século XIX diverte-se, em todo o mundo, com os omniógrafos,
cinematógrafos, vitascópios, kinetoscópios e outras dezenas de aparelhos com
funções similares.
A
experimentação cientifica e mecânica, matriz desses diferentes aparelhos, não
estava apenas a serviço da produção industrial. Fazia desenvolver-se, e a olhos
vistos, a indústria da diversão, cada vez mais transformada em diversão de
massa.
Os
grandes pais do cinema francês – Louis e Auguste Lumière e Georges Méliès –
representam essas duas tendências. Os irmãos Lumière rendem-se aos limites da
máquina, como industriais bem-sucedidos; Méliès, empresário do setor de
diversões e ele próprio dublê de inventor, mágico, comediógrafo e empresário
das artes, vislumbra o potencial do cinematógrafo de Lumière como diversão
popular que renovaria e atrairia o público para seu estabelecimento. A sede de
novidade expressa pelo público pagante veio ao encontro da necessidade de
abertura do mercado para a nova modalidade de lazer.
Como
diversão, o cinema entra numa longa linhagem de maquinários e de atrações
fantásticas, fantasmagóricas, assombrosas, de cujo sucesso não estão ausentes
da influencia da grande difusão das diferentes formas de espiritismo e mesmo a
revalorização da tradição ocultista.
O
cinema, pois, encontra o seu espaço nesse frágil limite entre o racional e o
irracional e psicológico onde a derivação do
sonho-realidade-materialidade-fantasia se encontra. Esse lugar psicológico já
fora ocupado antes por outras formas de diversão pública e já fora penetrado em
seus meandros pelo mercado consumidor. O cinema é assim associado ao sonho,
portanto, apresenta-se como algo já incorporado à experiência mais particular e
imediata de todas as pessoas.
De
algo que desperta o interesse e que está na experiência interior de cada um à
incorporação no cotidiano bastou um passo. E esse passo foi dado em todo o
mundo, menos a partir de uma evolução industrial particular, mas especialmente
seguindo os intercâmbios comerciais.
O
cinema é uma mercadoria a mais, a despeito de o velho Antoine Lumière ter-se
recusado a vender um aparelho de cinematógrafo a Méliès, julgando-o sem futuro
como diversão pública.
Teresinha Queiroz in. “História, arte e invenção”. Ed. Intermédios/Edufpi/Cnpq, 2012, pp.
81-83.