domingo, 14 de abril de 2013

Brevíssima arqueologia do texto e da leitura*


(...) como a maioria das inscrições romanas, o poema não tinha pontuação nem parágrafos ou espaços entre as palavras. As unidades de som e de sentido estavam provavelmente mais próximas dos ritmos da fala que das unidades tipográficas (...) da página impressa. A própria página como unidade do livro data apenas do século III ou IV d.C. Antes disso, para ler um livro, era preciso desenrolá-lo. Depois que as páginas reunidas (o codex) substituíram o rolo (volumem), os leitores podiam ir e voltar com mais facilidade ao longo dos livros, e os textos passaram a ser divididos em segmentos que podiam ser destacados e postos em índices. Mas, mesmo depois de os livros terem adquirido sua forma moderna, por muito tempo a leitura continuou a ser uma experiência oral, desempenhada em público. Em algum momento indeterminado, talvez em alguns mosteiros no século VII e seguramente nas universidades do século XIII, as pessoas começaram a ler sozinhas em silêncio. É possível que a passagem para a leitura silenciosa tenha implicado uma maior adaptação mental do que a passagem para o texto impresso, pois ela fazia da leitura uma experiência individual e interior.

A impressão fez alguma diferença, é claro, mas provavelmente menos revolucionária do que geralmente se imagina. Alguns livros tinham frontispícios, índices de conteúdo, índices remissivos, paginação e editores que faziam muitas cópias nos “scriptoria” para um grande público leitor, antes da invenção do tipo móvel. Nos primeiros cinquenta anos de sua existência, o livro impresso continua a ser uma imitação do livro manuscrito. Não há duvida de que era lido pelo mesmo público e da mesma maneira. Mas, a partir de 1500, o livro, o panfleto, o folheto, o mapa e o cartaz impressos começaram a atingir novos tipos de leitores e a estimular novos tipos de leitura. Com um formato cada vez mais padronizado, um preço cada vez mais barato e uma distribuição mais ampla, o novo livro transformou o mundo. Não se limitava a fornecer mais informações. Proporcionava um tipo de compreensão, uma metáfora fundamental para entender a vida.

Foi assim que, no século XVI, as pessoas tomaram posse do Verbo, no século XVII começaram a decodificar o “livro da natureza”, e no século XVIII aprenderam a ler a si mesmas.

*Robert Darnton in. “O beijo de Lamourette”. Ed. Companhia das Letras, 2010, pp. 199-200.

_________
La Liseuse, c. 1845-1850 
Huile sur toile, 42,5 x 32,5 cm 
Jean-Baptiste Camille Corot (1796-1875) 
Zurich, Fondation Collection E.G. Bührle 


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...