Em
outros tempos, eu achava que ser humano era o objetivo mais alto que um homem
podia ter, mas vejo agora que isso se destinava a destruir-me. Hoje, orgulho-me
em dizer que sou inumano, que não pertenço a homens e governos, que não tenho
nada a ver com crenças e princípios. Nada tenho a ver com a maquinária rangente
da humanidade, eu pertenço à Terra! Digo isso deitado em meu travesseiro e
sinto os chifres nascendo na minha testa. [...] Um homem que pertence a essa
raça [os inumanos] precisa ficar em pé no lugar alto, com palavras desconexas
na boca, e arrancar as próprias entranhas. [...] Quero rios que criem oceanos
[...], rios que não sequem no vazio do passado. Oceanos, sim! Tenhamos mais
oceanos, novos oceanos que apaguem o passado, oceanos que criem novas formações
geológicas, novas vistas topográficas e continentes estranhos e assustadores, oceanos
que destruam e preservem ao mesmo tempo, oceanos nos quais possamos navegar,
partir para novas descobertas, novos horizontes. [...] precisamos procurar
fragmentos, lascas, unhas dos dedos dos pés, qualquer coisa que contenha
mistério, que seja capaz de ressuscitar corpo e alma. [...] Fora biografias,
histórias, bibliotecas e museus! Que os mortos comam os mortos. Dancemos nós,
os vivos, à beira da cratera, uma última e agonizante dança. Mas que seja uma
dança!
*Henry
Miller in. “Tropico de Câncer”. Ed. José Olympio, 2006, pp. 324-327.
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Henry
Miller, 1891-1980.