sábado, 6 de abril de 2013

Os inumanos*


Em outros tempos, eu achava que ser humano era o objetivo mais alto que um homem podia ter, mas vejo agora que isso se destinava a destruir-me. Hoje, orgulho-me em dizer que sou inumano, que não pertenço a homens e governos, que não tenho nada a ver com crenças e princípios. Nada tenho a ver com a maquinária rangente da humanidade, eu pertenço à Terra! Digo isso deitado em meu travesseiro e sinto os chifres nascendo na minha testa. [...] Um homem que pertence a essa raça [os inumanos] precisa ficar em pé no lugar alto, com palavras desconexas na boca, e arrancar as próprias entranhas. [...] Quero rios que criem oceanos [...], rios que não sequem no vazio do passado. Oceanos, sim! Tenhamos mais oceanos, novos oceanos que apaguem o passado, oceanos que criem novas formações geológicas, novas vistas topográficas e continentes estranhos e assustadores, oceanos que destruam e preservem ao mesmo tempo, oceanos nos quais possamos navegar, partir para novas descobertas, novos horizontes. [...] precisamos procurar fragmentos, lascas, unhas dos dedos dos pés, qualquer coisa que contenha mistério, que seja capaz de ressuscitar corpo e alma. [...] Fora biografias, histórias, bibliotecas e museus! Que os mortos comam os mortos. Dancemos nós, os vivos, à beira da cratera, uma última e agonizante dança. Mas que seja uma dança!

*Henry Miller in. “Tropico de Câncer”. Ed. José Olympio, 2006, pp. 324-327.

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Henry Miller, 1891-1980.


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