O
trabalho do biógrafo é muitas vezes identificado ao labor do beneditino, a tal
ponto o biógrafo precisa consagrar sua própria existência a esclarecer a vida
de um estranho, ao preço de sacrifícios pessoais que transformam sua escolha em
sacerdócio. O biógrafo sabe que jamais concluirá sua obra, não importa o número
de fontes que consiga exumar. Diante dele abrem-se pistas novas, onde corre o
risco de se enredar a cada passo. Temos por hábito distinguir as biografias ao
estilo anglo-saxônico (que corresponde melhor ao afã quase obsessivo de
acompanhar o sujeito biografado em seus mínimos atos) das biografias à maneira
francesa, menos ambiciosas em termos de informações, porém mais próximas da
ficção por seu tratamento literário; mais arrebatadas, elas tomam partido, elas
têm uma visão parcial e tendenciosa da figura biografada. Todavia, nos dois
casos, podemos falar como Roger Dadoun numa autêntica “possessão” do biógrafo:
“Mas, como tudo que vai e volta, a possessão se exerce igualmente em sentido
contrário, numa relação de reciprocidade. O biógrafo acaba possuído pelo
biografado.” Essa apropriação mergulha o biógrafo num universo de
exterioridade. Em conseqüência da projeção necessária e exigida pela empatia
com o tema, o biógrafo acaba modificado, transformado pela figura cuja
biografia escreve, como passa a viver, durante o período de pesquisas e
redação, no mesmo universo, a ponto de não poder conseguir distinguir o
exterior do interior.
*François
Dosse in. “O Desafio Biográfico”. Ed. Edusp, 2009, pp. 13-14.
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