sábado, 6 de abril de 2013

O desafio biográfico*


O trabalho do biógrafo é muitas vezes identificado ao labor do beneditino, a tal ponto o biógrafo precisa consagrar sua própria existência a esclarecer a vida de um estranho, ao preço de sacrifícios pessoais que transformam sua escolha em sacerdócio. O biógrafo sabe que jamais concluirá sua obra, não importa o número de fontes que consiga exumar. Diante dele abrem-se pistas novas, onde corre o risco de se enredar a cada passo. Temos por hábito distinguir as biografias ao estilo anglo-saxônico (que corresponde melhor ao afã quase obsessivo de acompanhar o sujeito biografado em seus mínimos atos) das biografias à maneira francesa, menos ambiciosas em termos de informações, porém mais próximas da ficção por seu tratamento literário; mais arrebatadas, elas tomam partido, elas têm uma visão parcial e tendenciosa da figura biografada. Todavia, nos dois casos, podemos falar como Roger Dadoun numa autêntica “possessão” do biógrafo: “Mas, como tudo que vai e volta, a possessão se exerce igualmente em sentido contrário, numa relação de reciprocidade. O biógrafo acaba possuído pelo biografado.” Essa apropriação mergulha o biógrafo num universo de exterioridade. Em conseqüência da projeção necessária e exigida pela empatia com o tema, o biógrafo acaba modificado, transformado pela figura cuja biografia escreve, como passa a viver, durante o período de pesquisas e redação, no mesmo universo, a ponto de não poder conseguir distinguir o exterior do interior.

*François Dosse in. “O Desafio Biográfico”. Ed. Edusp, 2009, pp. 13-14.

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Antoine Josse [french surrealist sculptor and painter]



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