L' Odalisca, c. 1841.
Jean-Jacques Pradier, 1790 - 1852
Musée des Beaux-Arts, Lyon
segunda-feira, 29 de julho de 2013
domingo, 21 de julho de 2013
Les lieux de la mémoire*
Photo: Robert Doisneau
(1912-1994).
______Memória é vida. Seus portadores são grupos de
pessoas vivas, e por isso a memória está em permanente evolução. Ela está
sujeita à dialética da lembrança e do esquecimento, inadvertida de suas
deformações sucessivas e aberta a qualquer tipo de uso e manipulação. Às vezes
fica latente por longos períodos, depois desperta subitamente. A história é a
sempre incompleta e problemática reconstrução do que já não existe. A memória
sempre pertence à nossa época e está intimamente ligada ao eterno presente; a história
é uma representação do passado.
*Pierre Nora. In. Les lieux de
la mémoire, 1984. p. 19.
O Estrangeiro*
O
“romance noir” norte-americano conta histórias angustiadas de crime, carregadas
de fatalidade, desesperança, e da sensação de quem está num mundo movido por
forças incompreensíveis e inconscientes de si mesmas. Nada nos impede de ver
dessa maneira “O Estrangeiro” de Albert Camus. Ele é um equivalente
filosoficamente mais denso das histórias policiais soturnas de James M. Cain,
David Goodis, Horace McCoy. Lançado em 1942, sua repercussão crítica ao longo
das décadas seguintes (aumentada com a concessão do Prêmio Nobel a Camus em
1957 e sua morte precoce, aos 46 anos, em 1960) foi associada à visão
existencialista do mundo e à visão do absurdo.
Seria
uma atividade tipo “o ovo ou a galinha” tentar descobrir se Camus lia romances
policiais norte-americanos na Argélia ou se via os “filmes noir” dos anos 1940.
Em muitos desses filmes encontramos perfeitos equivalentes do Meursault de seu
livro: indivíduos sem um projeto de vida, sem um propósito, vivendo para o
presente e aceitando, meio atordoados, o que o presente lhes impõe. Não têm
ambições nem fazem planos para o futuro; não são capazes de grandes afetos nem
de grandes ódios; avançam pela vida como que anestesiados, meio indiferentes,
cultivando pequenos objetivos – arranjar algum dinheiro, ter onde dormir, comer
sem fome, amar sem amor.
Meursault
é assim, e é até surpreendente que uma garota como Marie Cardona queira casar
com ele. A resposta dele é típica: concorda em casar com ela, “se isso a faz
feliz”, mas dá a entender que nunca tomaria a iniciativa de pedi-la, e que se
outra mulher lhe fizesse a proposta ele provavelmente aceitaria também. A
passividade de Meursault o conduz ao crime e à condenação, quando todas as
provas, em retrospecto, parecem defini-lo como um homem frio, insensível,
cruel. Ele é o indivíduo alienado, disponível, sem projeto, exposto ao vento
das vontades alheias, que podem levá-lo em qualquer direção. Atentados
políticos são muitas vezes praticados por gente assim, gente como Lee Oswald,
Sirhan Sirhan, Ali Agca. Foram soprados por uma doutrina assim como um barco é
soprado pelo vento, mas essa doutrina lhes é essencialmente estranha.
“O
Estrangeiro” é uma história de crime tipo “whydunit”, onde o que importa
não é “quem” cometeu o crime nem “como”, e sim “por quê”. “Por causa do calor”,
diz ele ao explicar ao tribunal por que abateu um árabe a tiros, na praia.
Meursault é o homem absurdo, num mundo em que não chorar no enterro da mãe é
tão crime quanto matar um homem. O livro se passa em Argel, mas não é difícil
imaginá-lo nos EUA, a história de um rapaz do Bronx que mata um negro a tiros
durante um passeio a Coney Island.
*Braulio
Tavares in. Mundo Fantasmo
sexta-feira, 19 de julho de 2013
O Ser para a Morte*
Photo: Ricky Brown
A publicidade da convivência cotidiana “conhece” a morte
como uma ocorrência que sempre vem ao encontro, ou seja, como “casos de morte”.
Esse ou aquele, próximo ou distante, “morre”. Desconhecidos “morrem” dia a dia,
hora a hora. “A morte” vem ao encontro como um acontecimento conhecido, que
ocorre dentro do mundo. Como tal, ela permanece na não-surpresa característica
de tudo aquilo que vem ao encontro da cotidianidade. (...) O discurso
pronunciado ou, no mais das vezes, “difuso” sobre a morte diz o seguinte: algum
dia, por fim, também se morre mas, de imediato, não se é atingido pela morte.
*Martin Heidegger. In. “Ser e Tempo”. Ed. Vozes, 2005,
pp.35. (v.2).
Da Morte dos Paradigmas*
Affonso Romano De Sant´Anna (BH-1937).
"A chamada 'pós-modernidade' é uma situação
curiosíssima. Como falar de paradigmas dentro de um contexto cultural em que se
tornou comum negar o paradigma? Teriam, os paradigmas, deixado de existir? Ou a
negação do paradigma pertence a outro tipo de paradigma? A negação
do paradigma pode ser analisada paradigmaticamente.
E, aí, começamos a fazer uma análise da teoria do
discurso e da retórica que envolve essa questão. Thomas Kuhn perguntava: “Por
que alguém pode se dedicar a resolver enigmas? Por que a sua libido se
concentra nessa façanha? Como o seu imaginário se mobiliza para isso?”. No caso
das ciências sociais ele dizia que talvez fosse o desejo de ser útil, de
percorrer caminhos novos, a esperança de descobrir uma ordem ou a necessidade
de pôr à prova o conhecido e estabelecido.
Eu acrescentaria que nessa questão do confronto com os
paradigmas exauridos, paradigmas que não nos satisfazem, o cientista, o teórico
e o artista se dedicam a resolver ou enfrentar este enigma, também, por uma
questão pessoal. Ou seja, enquanto certos problemas não se transformam em
problemas pessoais, nós não os enfrentamos com a devida coragem e audácia.
Dizia Hannah Arendt que se ela não conseguisse entender a
lógica do nazismo, ela enlouqueceria, portanto, se dedicou a estudar isso. De
alguma maneira, acho que o desafio hoje, diante da nossa cultura, é o mesmo:
essa intersecção entre o sujeito e o seu tempo, o sujeito e o seu momento
histórico.
A contemporaneidade se meteu em uma irremissível poética da dispersão. Foi uma grande conquista que a modernidade trouxe, e a pós-modernidade também, mas toda conquista implica o surgimento de novos problemas para manter o domínio e, quando o império vai além do que pode e expande suas fronteiras, dilui-se e começa o seu declínio.
Por isso, a situação da pós-modernidade, sobretudo, me
faz lembrar de uma frase de Jean Luc Chalumeau que dizia que a nossa situação,
hoje, lembra a de Alexandre, O Grande, que, depois de ter conquistado todo o
mundo, só podia chorar e ficar deprimido por não ter mais nada o que
conquistar. Pois nós acabamos de sair de um século mortal e mortífero. Morte de
Deus, morte da história, morte do homem, morte da arte e quase morte da morte.
Nesse sentido, o vasto cemitério em que perambulamos,
como zumbis, entre o sentido e o não sentido, complementa – e isso é grave – a
mais devastadora orgia de sangue, destruição e guerras que a história já teve.
Teorizar sobre a morte de certas categorias pode não fazer jorrar sangue no
papel, mas sim apenas justificar a morte onde quer que ela esteja."
*Affonso Romano De Sant´Anna. In. Fronteiras do
Pensamento
quarta-feira, 17 de julho de 2013
Excesso de sentidos*
Afinal, a melhor maneira
de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as
maneiras.
Sentir tudo
excessivamente,
Porque todas as coisas
são, em verdade, excessivas
E toda realidade é um
excesso, uma violência,
Uma alucinação
extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em
comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem
as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques
humanas no seu acordo de sentidos.
*Fernando Pessoa in.
“Poesia de Álvaro de Campos”. Ed. Martin Claret, 2006, p. 208.
_______
“Primavera” Spring, c.
1992.
Katia Malizia, ( Italy –
1968).terça-feira, 9 de julho de 2013
Abismo*
Serge Marshennikov, c.2008.
Eu adormeço
às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo.
*Eduardo
Galeano in. “Mulheres”. Ed. l&pm, 2007, p.28.
sexta-feira, 5 de julho de 2013
O Acaso dos Olhares*
a composição das cores não
resume a vida.
há sentimentos
intraduzíveis, amarguras perdidas no passado,
ânimos desfeitos pelos
sonhos vagabundos.
não adianta exaltar o
vermelho, apagar o cinza, confundir o branco com a paz.
os significados não
testemunham a permanência.
cada olhar redefinido no
susto conta uma história inesperada.
o jogo é da sorte e do
azar,
os limites se inventam
inutilmente,
os espelhos conservam
segredos que os deuses desconhecem.
o labirinto é moradia
aflita dos paraísos.
*Antonio Paulo Rezende in.
A Astúcia de Ulisses
_______
Femme en pleurs, c. 1937.
Pablo Picasso, 1881-1973.
quarta-feira, 3 de julho de 2013
Roda viva*
_____A humanidade concordou em
desconhecer que a morte seja também a juventude do mundo. De olhos vendados
recusamo-nos a ver que só a morte incessantemente assegura um rejuvenescimento
sem o qual a vida declinaria. Recusamo-nos a ver que a vida é a armadilha
oferecida ao equilíbrio, que a vida é inteiramente instabilidade e
desequilíbrio e que neles se precipita. É um movimento tumultuoso que
incessantemente provoca a explosão, mas explosão incessante, que não cessa de
esgotar, e que só pode prosseguir sob uma condição: a de que os seres que ela
gera e cuja força explosiva está esgotada cedam o lugar a novos seres que
entram na roda com nova força.
*Georges Bataille in. “O
Erotismo”. Ed. Antígona, 1988, p.52.
________
Morning
bouquet.
Alfred
Guillou, 1884-1926
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