sexta-feira, 19 de julho de 2013

Da Morte dos Paradigmas*

Affonso Romano De Sant´Anna (BH-1937).

"A chamada 'pós-modernidade' é uma situação curiosíssima. Como falar de paradigmas dentro de um contexto cultural em que se tornou comum negar o paradigma? Teriam, os paradigmas, deixado de existir? Ou a negação do paradigma pertence a outro tipo de paradigma? A negação do paradigma pode ser analisada paradigmaticamente.

E, aí, começamos a fazer uma análise da teoria do discurso e da retórica que envolve essa questão. Thomas Kuhn perguntava: “Por que alguém pode se dedicar a resolver enigmas? Por que a sua libido se concentra nessa façanha? Como o seu imaginário se mobiliza para isso?”. No caso das ciências sociais ele dizia que talvez fosse o desejo de ser útil, de percorrer caminhos novos, a esperança de descobrir uma ordem ou a necessidade de pôr à prova o conhecido e estabelecido.

Eu acrescentaria que nessa questão do confronto com os paradigmas exauridos, paradigmas que não nos satisfazem, o cientista, o teórico e o artista se dedicam a resolver ou enfrentar este enigma, também, por uma questão pessoal. Ou seja, enquanto certos problemas não se transformam em problemas pessoais, nós não os enfrentamos com a devida coragem e audácia.

Dizia Hannah Arendt que se ela não conseguisse entender a lógica do nazismo, ela enlouqueceria, portanto, se dedicou a estudar isso. De alguma maneira, acho que o desafio hoje, diante da nossa cultura, é o mesmo: essa intersecção entre o sujeito e o seu tempo, o sujeito e o seu momento histórico.

A contemporaneidade se meteu em uma irremissível poética da dispersão. Foi uma grande conquista que a modernidade trouxe, e a pós-modernidade também, mas toda conquista implica o surgimento de novos problemas para manter o domínio e, quando o império vai além do que pode e expande suas fronteiras, dilui-se e começa o seu declínio.

Por isso, a situação da pós-modernidade, sobretudo, me faz lembrar de uma frase de Jean Luc Chalumeau que dizia que a nossa situação, hoje, lembra a de Alexandre, O Grande, que, depois de ter conquistado todo o mundo, só podia chorar e ficar deprimido por não ter mais nada o que conquistar. Pois nós acabamos de sair de um século mortal e mortífero. Morte de Deus, morte da história, morte do homem, morte da arte e quase morte da morte.

Nesse sentido, o vasto cemitério em que perambulamos, como zumbis, entre o sentido e o não sentido, complementa – e isso é grave – a mais devastadora orgia de sangue, destruição e guerras que a história já teve. Teorizar sobre a morte de certas categorias pode não fazer jorrar sangue no papel, mas sim apenas justificar a morte onde quer que ela esteja."


*Affonso Romano De Sant´Anna. In. Fronteiras do Pensamento

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