Affonso Romano De Sant´Anna (BH-1937).
"A chamada 'pós-modernidade' é uma situação
curiosíssima. Como falar de paradigmas dentro de um contexto cultural em que se
tornou comum negar o paradigma? Teriam, os paradigmas, deixado de existir? Ou a
negação do paradigma pertence a outro tipo de paradigma? A negação
do paradigma pode ser analisada paradigmaticamente.
E, aí, começamos a fazer uma análise da teoria do
discurso e da retórica que envolve essa questão. Thomas Kuhn perguntava: “Por
que alguém pode se dedicar a resolver enigmas? Por que a sua libido se
concentra nessa façanha? Como o seu imaginário se mobiliza para isso?”. No caso
das ciências sociais ele dizia que talvez fosse o desejo de ser útil, de
percorrer caminhos novos, a esperança de descobrir uma ordem ou a necessidade
de pôr à prova o conhecido e estabelecido.
Eu acrescentaria que nessa questão do confronto com os
paradigmas exauridos, paradigmas que não nos satisfazem, o cientista, o teórico
e o artista se dedicam a resolver ou enfrentar este enigma, também, por uma
questão pessoal. Ou seja, enquanto certos problemas não se transformam em
problemas pessoais, nós não os enfrentamos com a devida coragem e audácia.
Dizia Hannah Arendt que se ela não conseguisse entender a
lógica do nazismo, ela enlouqueceria, portanto, se dedicou a estudar isso. De
alguma maneira, acho que o desafio hoje, diante da nossa cultura, é o mesmo:
essa intersecção entre o sujeito e o seu tempo, o sujeito e o seu momento
histórico.
A contemporaneidade se meteu em uma irremissível poética da dispersão. Foi uma grande conquista que a modernidade trouxe, e a pós-modernidade também, mas toda conquista implica o surgimento de novos problemas para manter o domínio e, quando o império vai além do que pode e expande suas fronteiras, dilui-se e começa o seu declínio.
Por isso, a situação da pós-modernidade, sobretudo, me
faz lembrar de uma frase de Jean Luc Chalumeau que dizia que a nossa situação,
hoje, lembra a de Alexandre, O Grande, que, depois de ter conquistado todo o
mundo, só podia chorar e ficar deprimido por não ter mais nada o que
conquistar. Pois nós acabamos de sair de um século mortal e mortífero. Morte de
Deus, morte da história, morte do homem, morte da arte e quase morte da morte.
Nesse sentido, o vasto cemitério em que perambulamos,
como zumbis, entre o sentido e o não sentido, complementa – e isso é grave – a
mais devastadora orgia de sangue, destruição e guerras que a história já teve.
Teorizar sobre a morte de certas categorias pode não fazer jorrar sangue no
papel, mas sim apenas justificar a morte onde quer que ela esteja."
*Affonso Romano De Sant´Anna. In. Fronteiras do
Pensamento