terça-feira, 4 de outubro de 2011

A decadência do riso*

Por Josenias Silva

                                                                                  “Ride! Ride! Porque rir é próprio do homem.”
                                                                                                          (François Rabelais)

Hoje pela manhã tive um tempinho e comecei a ler um breve escrito do Eça de Queiroz, coisa de dez páginas, com o título de “A Decadência do Riso” (in: Notas Contemporâneas, 1945). Como ando meio “deprê” nestes últimos dias resolvi entender o que o Eça chamou de decadência do riso. Por que logo ele, o grande Eça de Queiroz, com sua carinha irônica por entre a sisudez do bigode, ele que sempre tocou com humor seus enredos, resolveu tratar da decadência daquilo que é próprio do homem, o riso? 


Eça não titubeia em definir o “excesso de civilização” como o principal fator responsável pela macambuzice geral naquele fim de século XIX. Diz ele, “quanto mais uma sociedade é culta - mais a sua face é triste”, ou seja, o grande civilizado é um chato, um ser incapaz de gargalhar porque o mundo o oprimiu, o castrou, o esvaziou da “sublime” capacidade de rir. A decadência do riso é a decadência do próprio homem, é a sua chegada ao “limbo”, ao nada absoluto.

Eça de Queiroz conclui seu texto exortando a volta ao primitivismo natural, a rejeição à máquina que desumaniza e escraviza o homem, assim como a rotina de obrigações a que ele está submetido. Para Eça de Queiroz, a Felicidade deveria ser encontrada na simplicidade da vida, ela dependia da reconquista do elevado dom do riso. O Humor estava no rir e no fazer rir, ele estava na própria sociedade. E Eça de Queiroz, assim como Machado de Assis, conseguiu fazer rir porque colocou a própria sociedade diante do espelho. Eça provocou aquele riso ressabiado, reticente. Será que estamos rindo de nós mesmos? - pensavam os portugueses. Eça de Queiroz foi um perito no deboche, na fina arte de cutucar e caricaturar a sociedade. Nisso ele se imortalizou.

Depois da leitura do texto comecei a conversar com os meus botões - Bem, e nós? Sei que temos muitos motivos para rir, rir de verdade, sorrir. Mas o fato é que estamos tristes, o Humor se foi, e nos contentamos hienicamente em mostrar os dentes. Ultimamente nem mesmo o Humor profissional tem nos salvado. Quem consegue rir de um bando de idiotas que se acham engraçados? O Rafinha Bastos (CQC) e a Valéria (Zorra Total), por exemplo, são os retratos da tristeza nacional. O retrato da nossa tristeza, da decadência do nosso riso. Rafinha e Valéria são nossas antas, nossos bobinhos com hora marcada para disparar asneira. Basta um “Ai como tô bandida!!!” para cairmos do sofá, engolfados no mais profundo spleen.


Falando nisso, lembrei-me agora de uma frase antológica do Millôr Fernandes que vem bem a calhar nesse contexto, diz ele que “o homem é o único animal que ri e é rindo que mostra o animal que é”. O Millôr estando certo, em que animais nos transformamos ao mostrar os dentinhos diante de tais bestas? Talvez a culpa seja mesmo nossa. Já que somos a geração dos "siliconizados", dos "botoxizados", dos mais falsos do que nunca, por que o riso não seria de plástico também? Acho que estamos todos com botox na cara e na alma, estamos rijos, mumificados diante da realidade.


Penso que o riso deve ser conquistado pela inteligência e não pela idiotice. O Humor é uma visão de mundo e tem a séria missão de desmascarar a realidade e intervir nela. Tudo perde a graça quando naturalizamos as coisas, por exemplo, ninguém ri mais do "palhaço" Tiririca, ou da política no Brasil, estamos conformados. Ninguém ri mais de si mesmo, nem consegue provocar o riso no outro. Tudo está muito sério, sombrio, em algum instante as coisas deixaram de ter graça e ficamos todos na maior “deprê”. Perdemos a capacidade de provocar o riso e de sorrir, nos tornamos a sociedade do Prozac e do prosaico.


Hoje não temos mais o Eça de Queiroz, o Machado de Assis, o Charles Chaplin, o Mazzaropi, ou mesmo o Barão de Itararé (Aparício Torelli) que teve a coragem de espicaçar a ditadura. Deste, conta-se que de muito apanhar dos milicos colocou uma placa na porta de seu escritório com a seguinte frase, “Entre sem Bater”, ou seja, foi de uma ironia sem tamanho, provocou o riso e denunciou a realidade. No presente, nos contentamos com o “Ai como tô bandida” da Valéria porque é o máximo que conseguimos produzir. Hoje somos a sociedade das hienas tristes, e rezo todo santo dia para não cairmos na classificação zoológica. 
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*Segundo o Professor Elias Thomé Saliba, "o humor é a forma mais sublime de apostar na vida", portanto, a decadência do riso é a decadência do próprio homem.
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