terça-feira, 17 de julho de 2012

O Diabo é pobre*


Nas cidades do nosso tempo, imensos cárceres que trancam os prisioneiros do medo, as fortalezas dizem ser casas e as armaduras simulam ser ternos.

Estado de sítio. Não se distraia, não baixe a guarda, não confie. Os amos do mundo dão a voz de alarme. Eles, que impunemente violam a natureza, sequestram países, roubam salários e assassinam multidões, nos advertem: cuidado. Os perigosos acossam, tocaiados nos subúrbios miseráveis, mordendo invejas, engolindo rancores.

Os perigosos, os pobres: os pobres-diabos, os mortos das guerras, os presos dos cárceres, os braços disponíveis, os braços descartáveis.

A fome, que mata calando, mata os calados. Os especialistas, os pobrólogos, falam por eles. E nos contam em que não trabalham, o que não comem, o quanto não pesam, o quanto não medem, o que não têm, o que não pensam, o que não votam, em que não crêem.

Só nos falta saber por que os pobres são pobres. Será porque sua fome nos alimenta e sua nudez nos veste? 

Eduardo Galeano. in. Espelhos. Ed. L&PM, 2009. p. 116.

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