(Maria Antonieta)
Um número imenso de
páginas (cartas, diários, relatos de viagens, etc.), escritas nos séculos 18 e
19 antes da invenção da fotografia, é dedicado a encontros que o autor teve com
personalidades ilustres do seu tempo: estadistas, artistas, aristocratas,
etc. Daria uma antologia que poderia furtar o título do livro de Peter
Brook, Encontros com Homens
Notáveis. Stendhal conta um episódio divertido de sua estadia em
Terracina (Itália) em 1817, quando, conversando com um grupo de italianos, entabulou
um diálogo sobre música com um homem jovem, de cabelos claros, bem apessoado;
Stendhal teceu os maiores elogios às óperas de Rossini, dizendo ser o único
compositor de gênio daquela época, e pelas risadas dos outros acabou
descobrindo que o jovem sentado à sua frente era o próprio Rossini.
Era uma época em que o
nome de um indivíduo podia ser famoso e respeitado em toda a Europa sem que se
tivesse uma idéia muito clara de como era seu rosto. A fotografia não tinha
sido inventada. Nobres e reis eram conhecidos através de pinturas, desenhos e
gravuras, que, como se sabe, nem sempre são unânimes em sua reconstrução de
fisionomias, além de correrem o risco de ficarem rapidamente defasadas porque o
indivíduo envelheceu, engordou, etc. Quantas pessoas, na Paris de Maria
Antonieta, tinham visto de perto o rosto de Maria Antonieta? Há um
interessante filme sobre Napoleão (A Roupa Nova do Imperador, de Alan
Taylor, 2001) em que ele foge do exílio, retorna a Paris para reconquistar o
trono, mas a conspiração que o ajudou é desmontada. Ele se vê sozinho, anônimo
e sem dinheiro numa cidade onde ninguém o reconhece, e não adianta dizer que é
Napoleão porque há centenas de malucos dizendo o mesmo.
No conto “A Liga dos Cabeças Vermelhas” (1891),
Sherlock Holmes a certa altura encontra-se frente a frente com John Clay, um
bandido que ele classifica como “o quarto homem mais esperto de Londres”.
Críticos perguntaram: esse homem tão esperto não saberia que aparência tinha
Sherlock Holmes? Talvez sim, talvez não, mas essa é uma questão que hoje, 120
anos depois, em plena ditadura da imagem, se coloca de outra forma. No tempo de
Jesus Cristo, se alguém chegasse numa cidade da Judéia dizendo ser o próprio ia
ter que fazer um ou dois milagres para convencer os relutantes. Duvido que
durante a vida de Jesus (mesmo durante os seus três anos de militância intensa,
até a crucificação) tenham circulado desenhos ou pinturas com a representação
do seu rosto. O que se tinha eram descrições e comparações verbais, imprecisas
como sempre, e não era uma tarefa fácil a qualquer sujeito convencer os outros
de sua própria identidade.
Braulio Tavares. in. Mundo Fantasmo