sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Convenções*



A classe média é uma terra estranha.
       A Mirtes não se aguentou e contou para a Lurdes:
     - Viram teu marido entrando num motel.
A Lurdes abriu a boca e arregalou os olhos. Ficou assim, uma estátua do espanto, durante um minuto, um minuto e meio.
Depois pediu detalhes. Quando? Onde? Com quem?
    - Ontem. No Discretissimu's.
    - Com quem? Com quem?
    - Isso eu não sei.
    - Mas como? Era alta? Magra? Loira? Puxava de uma perna?
    - Não sei, Lu.
    - O Carlos Alberto me paga. Ah, me paga.
   Quando o Carlos Alberto chegou em casa, a Lurdes anunciou que iria deixá-lo. E contou por quê.
    - Mas que história é essa, Lurdes? Você sabe quem era mulher que estava comigo no motel. Era você.
    - Pois é. Maldita hora em que eu aceitei ir. Discretissimu's! Toda a cidade ficou sabendo. Ainda bem que não me identificaram.
    - Pois então?
    - Pois então que eu tenho que deixar você. Não vê? É o que todas as minhas amigas esperam que eu faça. Não sou mulher de ser enganada pelo marido e não reagir.
    - Mas você não foi enganada. Quem estava comigo era você!
    - Mas elas não sabem disso!
    - Eu não acredito Lurdes. Você vai desmanchar nosso casamento por isso? Por uma convenção?
    - Vou.
    Mais tarde, quando a Lurdes estava saindo de casa, com as malas, o Carlos Alberto a interceptou. Estava sombrio.
    - Acabo de receber um telefonema - disse. - Era o Dico.
    - O que ele queria?
    - Fez mil rodeios, mas acabou me contando. Disse que, como meu amigo, tinha que contar.
    - O quê?
    - Você foi vista saindo do Motel Discretissimu's ontem, com um homem.
    - O homem era você.
    - Eu sei, mas eu não fui identificado.
    - Você não disse que era você?
    - O quê? Para que os meus melhores amigos pensem que eu vou a motel com a minha própria mulher?
    - E então?
    - Desculpe, Lurdes, mas...
    - O quê?
    - Vou ter que te dar um tiro.

Luís Fernando Veríssimo, O melhor das comédias da vida privada, 2004.

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*Quer ficar “famoso(a)” em uma cidade pequena? Vá a um Motel. É incrível, sempre haverá, mesmo que psicologicamente, um conhecido ou um conhecido de um conhecido que te “saca” de algum lugar. Logo você será o centro das atenções, o big brother da vez. Dentre as espécies a de comportamento sexual mais curioso é a Humana. Chegamos a um nível de sofisticação tal que nos vimos obrigados a inventar o Motel. Hoje, toda cidade tem o seu, é um mercado, ora! Somos os únicos que institucionalizaram o sexo, que o colocaram no âmbito do privado, que nos escondemos para dar vazão aos desejos, taras, vícios, enfim, ao amor em suas múltiplas possibilidades.
 E lá estão eles, os Motéis, com suas graciosas e “discretíssimas” placas ostentando nomes que nos levam a refletir: por exemplo, têm os convidativos (vamo que vamo Motel), os mais diretos (bora Motel), os broxantes (Paraíso Motel, acho que Inferno Motel seria mais “quente”), os sinceros (mini-Motel, esse é pequeno de verdade fica próximo a Altos-PI), os pouco confiáveis (Miragem Motel), os super-populares (Matel, no mato mesmo, com a vantagem de ser ambientalmente correto e 0800), os que ditam as regras (Profundus Motel), os indecisos (Não sei Motel), os que tanto faz como tanto fez (Sei Lá Motel), os Gps (Tô aqui Motel), os reflexivos (Vou Pensar Motel), os liberais (Onde Entrar Motel) etc. Ninguém admite, pelo menos publicamente, freqüentar estes espaços. Ninguém sai dizendo que foi ao Motel como quem foi, por exemplo, ao cabeleireiro. É como se individuo naquele instante entrasse para uma lista dos mais procurados, um fugitivo, alguém que deve se esconder de tudo e de todos. Dizem que a culpa é da tal civilização, das convenções no dizer do Veríssimo, sei lá, mas que é engraçado é.


Por Josenias Silva
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