A
leitura tem uma história. Não foi sempre a mesma em todos os lugares. Podemos
imaginá-la como um processo direto de extrair informação de uma página, mas,
considerando-a um pouco mais além, concordaríamos que a informação precisa ser
peneirada, classificada e interpretada. Os esquemas interpretativos fazem parte
de configurações culturais, que variam imensamente ao longo do tempo. Como
nossos antepassados viviam em mundos mentais diferentes, deviam ler de maneira
diferente, e a história da leitura pode ser tão complexa quanto a historia do
pensamento. (...) Não existem vias diretas nem atalhos, porque a leitura não é
uma coisa distinta, como uma constituição ou uma ordem social, que possa ser
rastreada ao longo do tempo. Ê uma atividade que envolve uma relação específica
– de um lado o leitor, de outro o texto. Ainda que os leitores e os textos
tenham variado de acordo com as circunstâncias sociais e tecnológicas, a
história da leitura não deve ser reduzida a uma cronologia dessas variações.
Deve ultrapassá-las, para enfrentar o elemento de relação que se encontra no
núcleo da questão: como leitores mutáveis interpretam textos variáveis? A
pergunta tem um ar abstruso, mas muita coisa depende dela. Pense-se na
freqüência com que a leitura alterou o curso da história – a leitura de Paulo
por Lutero, a leitura de Hegel por Marx, a leitura de Marx por Mao. Esses
pontos sobressaem num processo mais amplo e mais vasto: o esforço infindável do
homem em encontrar sentido no mundo em torno e dentro dele mesmo. Se
conseguíssemos compreender como ele lia, poderíamos vir a compreender melhor
como ele entendia a vida, e, por essa via – a via histórica –, quem sabe
chegaríamos a satisfazer uma parte de nosso próprio anseio por um sentido.
*Robert
Darnton in. “O beijo de Lamourette”. Ed. Companhia das Letras, 2010, pp.
200-201.
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La liseuse, c 1895
Oil on Canvas 117cm x 81 cm
William Adolphe Bouguereau,
1825-1905.