domingo, 24 de março de 2013

A cidade e as esfinges*


Toda a fauna das imaginações com sua vegetação marinha, como através de uma cabeleira de sombra se perde e se perpetua nas zonas mal aclaradas da atividade humana. Lá é que aparecem os grandes faróis espirituais, vizinhos, pela forma, de sinais menos puros. Uma fraqueza humana abre a porta do mistério e lá estamos, nos reinos da sombra. Um passo em falso, uma sílaba engasgada revelam o pensamento de um homem. Há na inquietação dos lugares fechaduras que se trancam sobre o infinito. Lá onde se persegue a atividade mais equivoca dos seres vivos, o inanimado se reveste, às vezes, dum reflexo de clarões, e mais segredos móveis: nossas cidades são assim povoadas por esfinges desconhecidas que não detêm o passante sonhador se ele não volta para elas sua distração meditativa, esfinges que não lhe colocam questões mortais. Mas, caso ele saiba advinhá-las, então este sábio que as interroga irá sondar ainda, novamente, seus próprios abismos graças a esses monstros sem rosto. A luz moderna do insólito: eis o que doravante irá retê-lo.


*Louis Aragon in. “O Camponês de Paris”. Ed. Imago, 1996, pp. 43-44.

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Churchgate Station, Western Railroad Line, Bombay, India, 1995.
Gelatin silver print. 21 3/8 x 31 1/2 in. (54.3 x 80 cm).
Photo: Sebastião Salgado


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