domingo, 3 de junho de 2012

A seleção brasileira e a aula de OSPB*



1975. Uma classe de quinta série. Os alunos estão um tanto sonolentos em seus uniformes brancos e azuis. A professora Dona Elza, que tem um cabelo tão armado que faz sua cabeça lembrar uma grande lâmpada, abre seu livro de OSPB. 

Sem muito entusiasmo, ela lê um capítulo que explica que os símbolos do Brasil são quatro: o hino, a bandeira, o brasão e o selo nacional. Foi então que um dos meninos, não muito esperto, levantou a mão e perguntou:


- E a seleção, professora?

- A seleção?

- É, a seleção de futebol. Ela não é símbolo do Brasil?

Dona Elza põe e tira o lápis em seu vasto penteado seguidas vezes, matutando uma resposta. 

Enquanto ela pensa, aproveito para esclarecer que o aluno pouco esperto era eu e que essa era uma dúvida justa naquele tempo. A imagem da seleção era muito ligada ao governo, e os presidentes, com aqueles seus óculos escuros de delegado, até iam aos jogos de vez em quando.

Na prática, a seleção era um símbolo do país. Claro que isso foi incentivado pela ditadura, mas mesmo antes e depois dos governos militares, nossos jogadores já eram uma metáfora de nossos soldados, combatendo as outras nações dentro do gramado.

Mas isso acabou. A seleção já não é mais um símbolo nacional. Ela perdeu seu lugar no coração dos brasileiros. E os motivos também são quatro: 


Equipes ruins: Os times de Lazaroni, Dunga e Parreira, mesmo o que venceu em 1994, não conquistaram o torcedor. Não tinham um jeito “brasileiro” de jogar e por isso não puderam se tornar símbolos da nação.

Ricardo Teixeira: Com sua constante fuga da imprensa e cercado por denúncias de corrupção, também ajudou a diminuir a simbologia do escrete, explicitando que se tratava de uma entidade privada, sem vínculos com a nação.

Publicidade: A ligação com marcas comerciais deixou mais claro que a seleção não era a pátria de chuteiras, mas a pátria de chuteiras Nike, tomando Guaraná Antártica, guardando seu dinheiro no Itaú, usando relógios Parmigiani, telefonando pela Vivo, comendo chocolates Nestlé, voando pela TAM, barbeando-se com Gillette, andando de Volkswagen e comprando carnes Seara no Pão de Açúcar. Sim, hoje a seleção tem 11 patrocinadores. 

Êxodo: Hoje não sabemos mais quem são vários dos atletas que vestem a “amarelinha”. Antes eles eram quase que parte da família. Mas, por conta do êxodo de nossos atletas, muitos dos convocados são menos conhecidos que o cunhado da prima da sobrinha da vizinha. Por exemplo, você conhece este tal de Hulk, que fez dois gols contra a Dinamarca? Talvez saiba que ele joga no Porto, mas duvido que saiba (pelo menos, eu não sabia) que seu nome é Givanildo, que nasceu em Campina Grande, que tem seis irmãs, que jogou no Vitória, que fez a maior parte de sua carreira no Japão e que ajudava o pai numa barraca de carnes na feira.

Por conta destes quatro fatores, já não amamos mais a seleção. Hoje os brasileiros preferem os clubes. Tanto que o último jogo da seleção teve 13 pontos de audiência e a partida entre Corinthians e Vasco chegou a 34.

Dona Elza estava sendo profética quando tirou o lápis cabelo armado e respondeu: “Não, menino, a seleção não é um símbolo nacional.”


José Roberto Torero. in. Carta Maior


*Nota do Blog: OSPB (Organização Social e Política Brasileira) – Disciplina que, de acordo com o Decreto Lei 869/68, tornou-se obrigatória no currículo escolar brasileiro a partir de 1969, juntamente com a disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC). Ambas foram adotadas em substituição às matérias de Filosofia e Sociologia e ficaram caracterizadas pela transmissão da ideologia do regime autoritário ao exaltar o nacionalismo e o civismo dos alunos e privilegiar o ensino de informações factuais em detrimento da reflexão e da análise. O contexto da época incluía a decretação do AI5, desde 1968, e o início dos “anos de chumbo” - a fase mais repressiva do regime militar cujo “slogan” mais conhecido era “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Dessa forma, as duas matérias foram condenadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, por terem sido impregnadas de um “caráter negativo de doutrinação”. Fonte: Dicionário Interativo da Educação Brasileira.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...