domingo, 20 de janeiro de 2013

Da realidade das coisas*



“Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou:  — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei:  — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa. Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.” (João Guimarães Rosa. “A terceira margem do rio”. in. Ficção Completa. Ed. Nova Aguilar, 1994, p. 409.)


Não sei se é instintivo isso – ou se vamos aprendendo por experiência própria – mas chega uma hora que nos damos conta de que “nada é tão asfixiante quanto a realidade”, fato.

Ela é cansativa, absurdamente densa e dolorosa.

Com isso não quero dizer que os loucos e/ou esquizofrênicos (ditos apartados da realidade) sejam mais felizes, nada disso! Mas que quando reclamamos das situações da vida, na certa, deveríamos mesmo era reclamar das “situações da realidade.”

Porque o problema não é a vida em si, mas ter de conviver com algumas coisas da realidade que nem mesmo a paciência/esperança/fé podem dar jeito.

O que dizer, por exemplo, para uma mãe que acabou de perder um filho?

Como revelar para alguém que sua doença é terminal e que só terá mais um ano de vida?

Como olhar no olho de uma criança e explicar que o mundo é assim mesmo, violento, caótico e fadado ao fracasso da espécie?

Chego a pensar que, às vezes, o certo mesmo é construir uma canoa e se largar no meio de um rio desses até tudo se resolver.

Porque no fim, como sempre, Tudo Se Resolve! (mesmo que tragicamente).


*Josenias S. Silva in. Fronteiras Literárias 

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