“Sem alegria nem
cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou
outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação.
Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de
pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca
volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando
de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de
jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: —
"Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o
olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que
vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e
desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito
um jacaré, comprida longa. Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma
parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de
meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.” (João Guimarães Rosa. “A terceira
margem do rio”. in. Ficção
Completa. Ed. Nova Aguilar, 1994,
p. 409.)
Não sei se é instintivo
isso – ou se vamos aprendendo por experiência própria – mas chega uma hora que nos
damos conta de que “nada é tão asfixiante quanto a realidade”, fato.
Ela é cansativa,
absurdamente densa e dolorosa.
Com isso não quero dizer
que os loucos e/ou esquizofrênicos (ditos apartados da realidade) sejam mais
felizes, nada disso! Mas que quando reclamamos das situações da vida, na certa,
deveríamos mesmo era reclamar das “situações da realidade.”
Porque o problema não é a
vida em si, mas ter de conviver com algumas coisas da realidade que nem mesmo a
paciência/esperança/fé podem dar jeito.
O que dizer, por exemplo,
para uma mãe que acabou de perder um filho?
Como revelar para alguém
que sua doença é terminal e que só terá mais um ano de vida?
Como olhar no olho de uma
criança e explicar que o mundo é assim mesmo, violento, caótico e fadado
ao fracasso da espécie?
Chego a pensar que, às
vezes, o certo mesmo é construir uma canoa e se largar no meio de um rio desses
até tudo se resolver.
Porque no fim, como
sempre, Tudo Se Resolve! (mesmo que tragicamente).
*Josenias S. Silva in.
Fronteiras Literárias