Estamos
construindo cidades gigantescas e inóspitas. Maiores que os labirintos
tenebrosos que fantasiamos nos medos e nas frustrações. Desconhecemos suas
ruas, ficamos isolados em quarteirões, pedimos comida pelo telefone,
mergulhamos em atividades solitárias. As sociabilidades têm gosto de trabalho,
competição, consumo. Não cuidamos das perdas, talvez pensando que as
tecnologias nos salvarão. Os sustos acontecem no mundo globalizado. Não
retratam, apenas, situações de miséria, mas também de carência afetivas
radicais. A violência não é fato raro. Seguem-se lamentações,
projetos filantrópicos, campanhas nas TVs, para enganar a dor e a
decepção. Muita pressa não deixa que se aprofunde a reflexão e ficamos
entregues a sentimentos de culpa.
As
cidades possuem arquiteturas que dificultam a convivência. Há espaços que
parecem celas de prisões, de uma aridez chocante. O negócio é o negócio, como
se as pessoas fossem compostas de grana e de ambições, premiadas
pela loteria da Caixa Econômica. A velha ordem insiste em comunicar que tempo é
dinheiro. Atuamos num imenso território com códigos de créditos espalhados.
Decifrá-los é uma urgência. Portanto, o individualismo não objetiva consolidar
a autonomia, porém valorizar a esperteza e o olhar desconfiado. A cidade não é
moradia de encontros. Os conflitos se ampliam sem soluções.
Não
é fácil imaginar uma vida sossegada no complexo jogo de interesses que se
internacionaliza com rapidez. Existem sonhos de paraísos, contudo os
escorregões nos desviam dos acessos mais tranquilos. Como conciliar tanta
diversidade e torná-la lugar da democracia? É uma visão equivocada estimular o
homogêneo, fazer da cultura reprodução enfadonha. As cidades não podem ser
conjuntos de vilas, com cores amenas e comportamentos ordenados por políticos
especiais. As proximidades com o totalitarismo nada servem para desmanchar o
caos que se instalou. As experiências históricas ensinam e o passado está cheio
de pesadelos.
Passamos
parte expressiva da aventura humana como seres nômades. Se aceitarmos que
nascemos há 250 mil anos, temos 12 mil anos de sedentarização para 240 mil de
nomadismo (Mia Couto). Uma observação simples e sábia que Mia fez num texto
sobre costumes africanos. Referia-se ao desejo de caminhar, viajar,
estabelecer contactos, afirmar pactos. A objetividade dos planejamentos não
leva em conta afetos, nem tampouco se abre para duvidar de seus cálculos.
A exatidão não existe, apenas cria expectativas de controles que sufocam e
esmagam a riqueza da multiplicidade. O sedentarismo torna-se uma obrigação e as
viagens, visitas para comprar objetos e mostrar privilégios.
O
certo seria reocupar as cidades, vesti-las de verde, de lugares de
convergências, de referências aconchegantes. Lembrar Italo Calvino, As
Cidades Invisíveis, é um dever para quem cuida das aventuras urbanas e
consagram arquiteturas de concreto armado. Falta sensibilidade, sobra a
geometria do lucro imediato, os compromissos eleitorais dos governantes
pragmáticos. A história tem dimensões trágicas, mas não é necessário aguçá-las e
sim buscar outras estradas. A capacidade de invenção não morre nas medidas dos
mapas de trânsito e no discurso da mobilidade urbana. Contemplar o templo,
parar simbolicamente os relógios, estimular troca de palavras, retirar os fones
do ouvido e os celulares do altar doméstico não é perda. É risco?
Antonio
Paulo Rezende in. Astúcias de Ulisses