domingo, 6 de janeiro de 2013

Ocupar cidades, refazer as arquiteturas*


Estamos construindo cidades gigantescas e inóspitas. Maiores que os labirintos tenebrosos que fantasiamos nos medos e nas frustrações. Desconhecemos suas ruas, ficamos isolados em quarteirões, pedimos comida pelo telefone, mergulhamos em atividades solitárias. As sociabilidades têm gosto de trabalho, competição, consumo. Não cuidamos das perdas, talvez pensando que as tecnologias nos salvarão. Os sustos acontecem no mundo globalizado. Não retratam, apenas, situações de miséria, mas também de carência afetivas radicais. A violência não é fato raro. Seguem-se lamentações, projetos filantrópicos, campanhas nas TVs, para enganar a dor e a decepção. Muita pressa não deixa que se aprofunde a reflexão e ficamos entregues a sentimentos de culpa.

As cidades possuem arquiteturas que dificultam a convivência. Há espaços que parecem celas de prisões, de uma aridez chocante. O negócio é o negócio, como se as pessoas fossem compostas de grana e de ambições, premiadas pela loteria da Caixa Econômica. A velha ordem insiste em comunicar que tempo é dinheiro. Atuamos num imenso território com códigos de créditos espalhados. Decifrá-los é uma urgência. Portanto, o individualismo não objetiva consolidar a autonomia, porém valorizar a esperteza e o olhar desconfiado. A cidade não é moradia de encontros. Os conflitos se ampliam sem soluções.

Não é fácil imaginar uma vida sossegada no complexo jogo de interesses que se internacionaliza com rapidez. Existem sonhos de paraísos, contudo os escorregões nos desviam dos acessos mais tranquilos. Como conciliar tanta diversidade e torná-la lugar da democracia? É uma visão equivocada estimular o homogêneo, fazer da cultura reprodução enfadonha. As cidades não podem ser conjuntos de vilas, com cores amenas e comportamentos ordenados por políticos especiais. As proximidades com o totalitarismo nada servem para desmanchar o caos que se instalou. As experiências históricas ensinam e o passado está cheio de pesadelos.

Passamos parte expressiva da aventura humana como seres nômades. Se aceitarmos que nascemos há 250 mil anos, temos 12 mil anos de sedentarização para 240 mil de nomadismo (Mia Couto). Uma observação simples e sábia que Mia fez num texto sobre costumes africanos. Referia-se ao desejo de caminhar, viajar, estabelecer contactos, afirmar pactos. A objetividade dos planejamentos não leva em conta afetos, nem tampouco se abre para duvidar de seus cálculos. A exatidão não existe, apenas cria expectativas de controles que sufocam e esmagam a riqueza da multiplicidade. O sedentarismo torna-se uma obrigação e as viagens, visitas para comprar objetos e mostrar privilégios.

O certo seria reocupar as cidades, vesti-las de verde, de lugares de convergências, de referências aconchegantes. Lembrar Italo Calvino,  As Cidades Invisíveis, é um dever para quem cuida das aventuras urbanas e consagram arquiteturas de concreto armado. Falta sensibilidade, sobra a geometria do lucro imediato, os compromissos eleitorais dos governantes pragmáticos. A história tem dimensões trágicas, mas não é necessário aguçá-las e sim buscar outras estradas. A capacidade de invenção não morre nas medidas dos mapas de trânsito e no discurso da mobilidade urbana. Contemplar o templo, parar simbolicamente os relógios, estimular troca de palavras, retirar os fones do ouvido e os celulares do altar doméstico não é perda. É risco?

Antonio Paulo Rezende in. Astúcias de Ulisses

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