domingo, 27 de janeiro de 2013

A mamãe desprezada*


Máscara do século XVI, Nigéria, Edo, Corte de Benin. 
Metropolitan Museum of Art.


As obras de arte da África negra, frutos da criação coletiva, obras de ninguém, obras de todos, raramente são exibidas em pé de igualdade com as obras dos artistas que se consideram dignos desse nome. Esses butins do saque colonial podem ser encontrados, por exceção, em alguns museus de arte da Europa e dos Estados Unidos e também em algumas coleções privadas, mas seu espaço “natural” é nos museus de antropologia. Reduzida à categoria de artesanato ou expressão folclórica, a arte africana só consegue ser digna de atenção alinhada entre outros costumes de povos exóticos.

O mundo chamado “ocidental”, acostumado a atuar como credor do resto do mundo, não tem maior interesse em reconhecer suas próprias dividas. No entanto, qualquer um que tenha olhos para olhar e admirar, poderia muito bem perguntar: Que seria da arte do século XX sem a contribuição da arte negra? Sem a mamãe africana, que lhes deu de mamar, teriam existido as pinturas e esculturas mais famosas de nosso tempo?

Numa obra publicada pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, Willian Rubin e outros estudiosos fizeram um revelador cotejo das imagens. Página a página, documentaram a dívida da arte que chamamos arte com a arte dos chamados povos “primitivos”, que é fonte de inspiração e plágio.

Os principais protagonistas da pintura e da escultura contemporâneas foram alimentados pela arte africana e alguns a copiaram sem ao menos dizer obrigado. O gênio mais alto da arte do nosso século, Pablo Picasso, sempre trabalhou rodeado de máscaras e tapetes africanos, e essa influência aparece em muitas maravilhas que deixou. A obra que deu origem ao cubismo, “Les demoiselles d´Avinyó” (as senhoritas da rua das putas, em Barcelona), contem um dos numerosos exemplos. O rosto mais célebre do quadro, o que mais agride a simetria tradicional, é a reprodução exata de uma máscara do Congo exposta no Museu Real da África Central, na Bélgica, que representa um rosto deformado pela sífilis.

Algumas cabeças de Amedeo Modigliani são irmãs gêmeas de máscaras do Mali e da Nigéria. As guarnições dos signos dos tapetes tradicionais do Mali serviram de modelo para os grafismos de Paul Klee. Algumas das talhas estilizadas do Congo e do Quênia, feitas muito antes do nascimento de Alberto Giacometti, poderiam passar por obras suas em qualquer museu do mundo e ninguém se daria conta. Poder-se-ia fazer um joguinho de diferenças – e seria muito difícil identificá-las – entre o óleo de Marx Ernest, “Cabeça de Homem”, e a escultura em madeira da Costa do Marfim “Cabeça de um cavaleiro”, que pertence a uma coleção particular de Nova York. A “Luz da lua numa rajada de vento”, de Alexandre Calder, traz um rosto que é “clone” de uma máscara “luba” do Congo, pertencente ao museu de Seattle.

*Eduardo Galeano in. “De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso”. Ed. l&pm, 2011, pp.75-76.


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