terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O tempo cura*

Foto: “After Prayer”, Don Hong-Oai (1929-2004).


O tempo cura, também, porque vai deixando o passado cada vez mais "atrás", mais "distante", mais "pesado", e com esse distanciamento diminui a intensidade do pretérito e fica limitada sua parte angulosa e pungente. O tempo cura, definitivamente, porque vai atuando como sepultador e é cúmplice do esquecimento: aplana tudo o que é vivo e agudo, a alegria, a tristeza, a paixão, a dor... Como o tempo, gênio astuto, deve rir dissimuladamente quando ouve as pessoas jurarem amor, amizade ou fidelidade eterna ou "para sempre"!

O tempo cura porque nos endurece: "Essa mineralização ou dissecação da dor é a forma mais natural de consolo". Erosão e desgaste progressivo que fazem com que a dor vá se esfumando. O tempo consola desse modo, adormecendo sem persuadir. Cura sem fazer quase nada, simplesmente deixando-se passar a si mesmo. Não cura com solícitos cuidados, mas sim passiva e impessoalmente. O tempo cura com o tempo, com a senilidade, o envelhecimento, a amnésia, a sedação... E culmina essa cura com a morte. Vence debilitando o adversário (e talvez, no fundo, com o consentimento deste).

Josep M. Esquirol in. "O Respirar dos Dias". Ed. Autêntica, 2010, p. 47.


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