A história, como modo de discurso específico, nasceu de uma
lenta emergência e sucessivas rupturas com o gênero literário, em torno da
busca da verdade. Aquele que, durante muito tempo, foi apresentado como o
verdadeiro mentor, Heródoto, encarna bem essa tensão de uma escritura muito
marcada por seu lugar de origem, o da Grécia do século 5º a.C., mas que
designa, todavia, um projeto em ruptura: o do nascimento de um gênero novo, a
história. Ao reino do aedo, do poeta contador de lendas e dispensador de
“kleos” (a glória imortal do herói), Heródoto substitui o trabalho de
investigação (historiê) desenvolvido por um personagem até então desconhecido,
o “histor”, que tem por tarefa retratar o desaparecimento dos traços da atividade
dos homens. Nos dois casos, trata-se de aprisionar a morte, socializando-a
(...) Aquele que foi apresentado por Cícero como “o pai da História” é um grego
originário de Halicarnasso, na Jônia, que viveu entre dois grandes conflitos: o
das Guerras Médicas e o da Guerra do Peloponeso, entre 484 a.C. e 420 a.C.
Autor de “Histórias”, divididas em nove livros, dois terços de sua obra são
consagradas aos antecedentes das Guerras Médicas. Com Heródoto, nasce o
historiador, pelo duplo uso do nome próprio e da terceira pessoa desde o
prólogo de sua obra que estabelece uma distância, uma objetividade em relação à
matéria narrada. Diferente da epopéia, não são mais os deuses e as musas que se
expressam para contar o passado. (...) Heródoto inova efetuando vários
deslocamentos decisivos, que permitem a emergência do gênero histórico. Na
verdade, celebra-se não mais a lembrança das grandes façanhas, mas procura-se a
conservação na memória daquilo que os homens realizaram, glorificando não mais
os grandes heróis mas os valores do coletivo dos homens, no quadro das cidades.
*François Dosse in. “A história”. Ed. Edusc, 2003, pp.
13-14.
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Heródoto de Halicarnasso, 484 a.C – 425 a.C.