sábado, 14 de janeiro de 2012

Liêdo Maranhão: a praça é do povo (I)*


Por Josenias Silva




As praças públicas têm como característica serem lugares de encontro/passagem/dispersão de distintos grupos da geografia humana. E quem é estudioso da cultura popular, como o pernambucano Liêdo Maranhão, sabe muito bem o quanto as praças podem revelar do fazer social.

Liêdo Maranhão é o que se poderia chamar de homem do povo, um sujeito sem frescuras e sem travas na língua. Nascido no bairro de São José, no Recife, em 1925. Formado em Odontologia na década de 1940, com estágios na França e Espanha, e com um grande interesse pela cultura popular. Chegou, entre os anos de 1960 e 1970, a freqüentar diariamente a Praça do Mercado (e o próprio Mercado) de São José registrando o movimento cotidiano dos vários tipos sociais que ganhavam a vida naquele espaço: camelôs, cantadores, ambulantes, "come vidro", "engole cobra", vendedores de ervas e remédios, prostitutas etc. Desse seu trabalho empírico de registro (fotográfico, oral, material etc.) resultou algumas obras de grande valor documental.

Cito algumas:

O mercado, sua praça e a cultura popular do Nordeste: homenagem ao centenário do Mercado de São José 1875-1975. (Recife: Prefeitura, 1977);

O povo, o sexo e a miséria ou o homem é sacana (Recife: Guararapes, 1980);

Conselhos, comidas e remédios para levantar as forças do homem (Recife: Bagaço, 1982);

Cozinha de pobre (Recife: Bagaço, 1992);

Marketing dos camelôs do Recife (Recife: Bagaço, 1996); 


A fala do povão: o Recife cagado-e-cuspido (Olinda, PE: Edição do autor, 2004);

Rolando papo de sexo: memórias de um sacanólogo (Olinda, PE: Livro Rápido, 2005).


Liêdo se define como um “dentista e esquizofrênico cíclico”, como alguém que encontrou um sentido para a realidade das coisas na fala do povo, nas suas expressões e estratégias de sobrevivência. Hoje sua casa abriga um grande acervo “de tudo”, como ele costuma falar. Além de ser um dos maiores colecionadores e conhecedores da literatura de cordel, Liêdo é reconhecidamente uma autoridade quando se trata de cultura popular no nordeste. O que o diferencia, a meu ver, dos demais pesquisadores que se interessam pela questão é que Liêdo não olha ninguém de cima, ele não trata a cultura popular como algo menor, tampouco está preocupado com a polidez da língua ou com título de coisa alguma.

Nada de escritório, nada de frescura ou literatice, como já foi dito em algum momento, Liêdo é o escriba dos excluídos. Seus livros registram a riqueza escondida nas histórias pessoais de quem dele se aproxima, flagram o sexo, a fome, a subversão da língua “culta/oficial” nas expressões e versinhos populares, bem como a criatividade e os sofrimentos de um povo que vive “Jodido, pero contento”.



No Mercado de São José,
Faz raiva a gente se vê.
De tudo que não presta,
Nele já tem pra vender.
No Mercado de São José,
Tem água de prato sujo,
Que dão o nome de café.
Tem sopa de 15 dia,
Que eles vende nos hoté.
Tem carne de sapo cru,
Que dão o nome de sarapaté.
No mercado de São José,
Tem frango, tem rapariga,
Ninguém não liga,
De mais até.

(Gogó de Sola)



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