sábado, 25 de fevereiro de 2012

A mudez dançada*



Por Clarice Lispector


Danse à Saint Germain des Prés, Paris, 1951
                                                                         Foto: Robert Doisneau

A dança propriamente dita se inicia. O homem é moreno, miúdo; obstinado. Ela é severa e perigosa. Seus cabelos foram esticados, essa vaidade da dureza. É tão essencial essa dança que mal se compreende que a vida continue depois dela: este homem e esta mulher morrerão. Outras danças são a nostalgia dessa coragem. Esta dança é a coragem. Outras danças são alegres. A alegria desta é séria. Ou a alegria é dispensada. É um triunfo mortal de viver o que importa. Os dois não riem, não se perdoam. Compreendem-se? Nunca pensaram em se compreender, cada um trouxe a si mesmo como único estandarte. E quem for vencido – nessa dança os dois são vencidos – não se adoçara na submissão, terá aqueles olhos finalmente espanhóis, secos de amor e raiva. O esmagado – os dois serão esmagados – servirá vinho ao outro como escravo. Embora nesse vinho, quando vier a paixão do ciúme, possa estar a morte. O que sobreviver se sentirá vingado. Mas para sempre sozinho. Porque só esta mulher era a sua inimiga, só este homem era o seu inimigo, e eles se tinham escolhido para a dança.


in. Elenco de cronistas modernos, 2005, p. 257.

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