Por Eduardo Galeano
T.H. Matteson, 1855. Pintura a óleo.
Peabody and Esses Museum
O livro Malleus Maleficarum, também chamado O martelo das bruxas, recomendava o mais impiedoso exorcismo contra o demônio que tinha tetas e cabelos compridos.
Dois inquisidores alemães, Henrich Kramer e Jakob Sprenger, escreveram, por encomenda do Papa Inocêncio VIII, esse fundamento jurídico e teológico dos tribunais da Santa Inquisição.
Os autores demonstravam que as bruxas, harém de Satã, representavam as mulheres em estado natural, porque toda a bruxaria provém da luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável. E advertiam que esses seres de aspecto belo, contato fétido e mortal companhia encantavam os homens e os atraíam, com silvos de serpente, caudas de escorpião, para os aniquila-los.
Esse tratado de criminologia aconselhava a submeter a tormentos todas as suspeitas de bruxaria. Se confessavam, mereciam o fogo. Se não confessavam, também, porque só uma bruxa, fortalecida pelo amante, o Diabo, nas festas de feitiçaria, conseguia resistir a semelhante suplício sem abrir a boca.
O Papa Honório III havia sentenciado:
- As mulheres não devem falar. Seus lábios levam o estigma de Eva, que foi a perdição dos homens.
Oito séculos mais tarde, a Igreja Católica continua negando-lhes o púlpito.
O mesmo pânico faz com que os fundamentalistas muçulmanos lhes mutilem o sexo e tapem seus rostos.
E o alívio pelo perigo conjurado leva os judeus muito ortodoxos a começar o dia sussurrando:
- Obrigado, Senhor, por não ter me feito mulher.
in: Espelhos, 2009, pp.115-116.