sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O diabo é mulher*



Por Eduardo Galeano



    "O Julgamento de George Jacobs, Agosto 5, 1692"
T.H. Matteson, 1855. Pintura a óleo.
Peabody and Esses Museum


O livro Malleus Maleficarum, também chamado O martelo das bruxas, recomendava o mais impiedoso exorcismo contra o demônio que tinha tetas e cabelos compridos.

Dois inquisidores alemães, Henrich Kramer e Jakob Sprenger, escreveram, por encomenda do Papa Inocêncio VIII, esse fundamento jurídico e teológico dos tribunais da Santa Inquisição.

Os autores demonstravam que as bruxas, harém de Satã, representavam as mulheres em estado natural, porque toda a bruxaria provém da luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável. E advertiam que esses seres de aspecto belo, contato fétido e mortal companhia encantavam os homens e os atraíam, com silvos de serpente, caudas de escorpião, para os aniquila-los.

Esse tratado de criminologia aconselhava a submeter a tormentos todas as suspeitas de bruxaria. Se confessavam, mereciam o fogo. Se não confessavam, também, porque só uma bruxa, fortalecida pelo amante, o Diabo, nas festas de feitiçaria, conseguia resistir a semelhante suplício sem abrir a boca.

O Papa Honório III havia sentenciado:

- As mulheres não devem falar. Seus lábios levam o estigma de Eva, que foi a perdição dos homens.

Oito séculos mais tarde, a Igreja Católica continua negando-lhes o púlpito.

O mesmo pânico faz com que os fundamentalistas muçulmanos lhes mutilem o sexo e tapem seus rostos.

E o alívio pelo perigo conjurado leva os judeus muito ortodoxos a começar o dia sussurrando: 

- Obrigado, Senhor, por não ter me feito mulher. 


in: Espelhos, 2009, pp.115-116.

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