sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O riso do diabo*



Por Milan Kundera


Quando o anjo ouviu pela primeira vez o riso do demônio, foi tomado de estupor. Isso se passou num festim; a sala estava cheia de gente e as pessoas foram dominadas umas após as outras pelo riso do diabo, que é horrivelmente contagiante. O anjo compreendeu claramente que esse riso era dirigido contra Deus e contra a dignidade de sua obra. Sabia que tinha de reagir rapidamente, de uma maneira ou de outra, mas sentia-se fraco e sem defesa. Não conseguindo inventar nada, imitou seu adversário. Abrindo a boca, emitiu sons entrecortados, descontínuos, em intervalos acima de seu registro vocal [...], mas dando-lhe o sentido oposto: enquanto o riso do diabo mostrava o absurdo das coisas, o anjo, ao contrário, queria alegra-se por tudo aqui embaixo ser bem ordenado, sabiamente concebido, bom e cheio de sentido. Assim, o anjo e o diabo se enfrentavam e, mostrando a boca aberta, emitiam mais ou menos os mesmos sons, mas cada um expressava, com seu ruído, coisas absolutamente contrárias. E o diabo olhava o anjo ri, e ria cada vez mais, cada vez melhor e cada vez mais francamente, porque o anjo rindo era infinitamente cômico.


in: O livro do riso e do esquecimento, 1990, p.61.

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