quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Rímel, batom e lágrimas*




Por Durval Muniz de Albuquerque Junior


 Jimmy Paulette and Tabboo! undressing, NYC, 1991
Photograph on paper. 1015 x 695 mm
Nan Goldin, Tate Gallery, London

Os homossexuais cedo aprendem que as coisas não são o que aparentam, que as identidades são mascaras que se colocam ou que se tiram ao sabor das conveniências e das ocasiões. Muito cedo um homossexual aprende a desconfiar da seriedade do que lhe é dito e da forma como as coisas são justificadas. Desde cedo aprende que a sociedade é feita de representação e que há um descompasso entre as palavras e as ações, o discurso e as práticas. Tendo aprendido, por experiência, que os sujeitos podem se transformar ao simples fechar de uma porta, que uma respeitável verdade pode desaparecer em poucos segundos, entre lençóis, o homossexual tende a relativizar as identidades e as verdades, duvidar das certezas e pôr em questão os valores morais dominantes. A homossexualidade é uma vivência de fronteira, de limite, é um não lugar, que permite um olhar distanciado e crítico em relação à norma, à ordem, aos lugares estabelecidos e valorados positivamente. A vivência homossexual, numa sociedade heteronormativa, é quase uma ironia, já que é a vivencia do descompasso entre o que se diz e o que se vive, entre o discurso e o corpo, entre o que deve ser e o que é. A homossexualidade é vivenciada, quase sempre, como desordem, como anomalia, como fantasia, como simulação, como desconcerto e descompasso, como desajuste, como experiência do fora, como riso farsesco que visa a evitar a morte e o suicídio. A história destes seres da noite, das fimbrias, dos desvãos, dos esconderijos, dos guetos, das máscaras e dos limites só pode ser narrada com certa dose de amarga ironia, de sarcasmo, história com gosto amargo na boca, história com rímel, batom e lágrimas. Uma história-batalha, de seres mal tratados.


[fragmento]


in: História: a arte de inventar o passado, 2007, p. 192.


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*Nota do Blog: Este espaço é contra toda e qualquer violência de gênero e a favor da criminalização da homofobia. (Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006).

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