quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Literato cantabile*



Por Torquato Neto


agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início
agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em minha orla
Os pássaros de sempre cantam assim,
do precipício:

a guerra acabou
quem perdeu agradeça
a quem ganhou.
não se fala. não é permitido
mudar de ideia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento
do corpo ou onde quer que alhures.
toda palavra envolve o precipício
e os literatos foram todos para o hospício
e não se sabe nunca mais do fim. agora o nunca.
agora não se fala nada, sim. fim. a guerra
acabou
e quem perdeu agradeça a quem ganhou.


[fragmento].


in: Kenard Kruel, Torquato Neto ou a carne seca é servida, 2008, p. 263.

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