terça-feira, 27 de novembro de 2012

Bonecas de 1900*


Uma senhorita exemplar serve ao pai e aos irmãos como servirá ao marido, e não faz nem diz nada sem pedir licença. Se tem dinheiro ou berço, acode à missa das sete e passa o dia aprendendo a dar ordens aos serviçais negros, cozinheiras, serventes, babás, amas-de-leite, lavadeiras, e fazendo trabalhos de agulha ou bilro. Às vezes recebe amigas, e até se atreve a recomendar algum livro ousado, sussurrando:

- Se você soubesse como me fez chorar...

Duas vezes por semana, à tardinha, passa algumas horas escutando o noivo, sem olhá-lo e sem pedir que chegue perto, ambos sentados no sofá, frente ao olhar atento da tia. Todas as noites, antes de se deitar, reza as ave-marias do rosário e aplica na pele uma infusão de pétalas de jasmim amassadas em água de chuva à luz da lua cheia.

Se o noivo a abandona, ela se transforma subitamente em tia e fica portanto condenada a vestir santos, defuntos e recém-nascidos, a vigiar noivos, a cuidar de doentes, a dar catecismo e a suspirar pelas noites, na solidão da cama, contemplando o retrato de quem a desdenhou.


Eduardo Galeano in. "Mulheres". Ed. l&pm, 2007, p. 125.


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