quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O homem do princípio ao fim*


A décima segunda guerra mundial, como todos sabem, trouxe o colapso da civilização. Vilas, aldeias e cidades desapareceram da Terra. Todos os jardins e todas as florestas foram destruídas. E todas as obras de arte.

Homens, mulheres e crianças tornaram-se inferiores aos animais mais inferiores. Desanimados e desiludidos, os cães abandonaram os homens decaídos.

Encorajados pela pesarosa condição dos antigos senhores do mundo, os coelhos caíram sobre eles. Livros, pinturas e música desapareceram da Terra e os seres humanos ficavam sem fazer nada, olhando no vazio.

Anos e anos se passaram. Os poucos sobreviventes militares tinham esquecido o que a última guerra havia decidido.

Os rapazes e as moças apenas se olhavam indiferentemente, pois o amor abandonara a Terra.

Um dia uma jovem, que nunca tinha visto uma flor, encontrou por acaso a última que havia no mundo. Ela contou aos outros seres humanos que a última flor estava morrendo. O único que prestou atenção foi um rapaz que ela encontrou andando por ali.

Juntos, os dois alimentaram a flor e ela começou a viver novamente. Um dia uma abelha visitou a flor. E um colibri. E logo havia duas flores, e logo quatro, e logo uma porção de flores.

Os jardins e florestas cresceram novamente. A moça começou a se interessar pela própria aparência. O rapaz descobriu que era muito agradável passar a mão na moça. E o amor renasceu para o mundo.

Os seus filhos cresceram saudáveis e fortes e aprendiam a rir e brincar. Os cães retornaram do exílio. Colocando uma pedra em cima de outra pedra, o jovem descobriu como fazer um abrigo. E imediatamente todos começaram a construir abrigos. Vilas, aldeias e cidades surgiram em toda parte. E a canção voltou para o mundo.

Surgiram trovadores e malabaristas, alfaiates e sapateiros, pintores e poetas, escultores e ferreiros, e soldados, e soldados, e soldados, e soldados, e tenentes e capitães, e coronéis e generais, e lideres!

Algumas pessoas tinham ido viver num lugar, outras em outro. Mas logo as que tinham ido viver na planície desejavam ter ido viver na montanha.

E os que tinham escolhido a montanha preferiram a planície. Os lideres, sob inspiração de Deus, puseram fogo ao descontentamento.

E assim o mundo estava novamente em guerra. Desta vez a destruição foi tão completa que absolutamente nada restou no mundo. Exceto um homem, uma mulher e uma flor.

Millôr Fernandes in. O Homem do Princípio ao Fim. Ed.l&pm, 2007. pp.129-131.

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