sábado, 10 de setembro de 2011

Amor*



Na selva amazônica, a primeira mulher e o primeiro homem se olharam com curiosidade. Era estranho o que tinham entre as pernas.
- Te cortaram? -  Perguntou o homem.
- Não – disse ela. – Sempre fui assim.
Ele examinou-a de perto. Coçou a cabeça. Ali havia uma chaga aberta.
Disse:
- Não comas mandioca, nem bananas, e nenhuma fruta que se abra ao amadurecer. Eu te curarei. Deita na rede, e descansa.
Ela obedeceu. Com paciência bebeu os mingaus e ervas e se deixou aplicar pomadas e os ungüentos. Tinha de apertar os dentes para não rir, quando ele dizia:
- Não te preocupes.
Ela gostava da brincadeira, embora começasse a se cansar de viver em jejum, estendida em uma rede. A memória das frutas enchia sua boca de água.
Uma tarde, o homem chegou correndo através da floresta. Dava saltos de euforia e gritava:
- Encontrei! Encontrei!
Acabava de ver o macaco curando a macaca na copa de uma árvore.
- É assim – disse o homem, aproximando-se da mulher.
Quando acabou o longo abraço, um aroma espesso, de flores e frutas, invadiu o ar. Dos corpos, que jaziam juntos, se desprendiam vapores e fulgores jamais vistos, e era tanta formosura que os sóis e os deuses morriam de vergonha.

Eduardo Galeano, Mulheres, 2007.

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*Nesta narrativa de origem o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940) coloca uma outra perspectiva para o mito do nascimento do sexo humano. Esta, por sua vez, vem leve e sem o carregado fardo da tradição judaico-cristã, que introduziu o pecado no lugar mesmo do prazer. O mistério e a descoberta, a falta e a completude, eis o sexo em seu mais puro devir.



Por Josenias Silva
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