terça-feira, 13 de setembro de 2011

O mal-estar na cultura*


O que os próprios seres humanos, através de seu comportamento, revelam ser a finalidade e o propósito de suas vidas? O que exigem da vida, o que nela querem alcançar? É difícil errar a resposta: eles aspiram à felicidade, querem se tornar felizes e assim permanecer. Essa aspiração tem dois lados, uma meta positiva e outra negativa: por um lado a ausência de dor e desprazer, por outro, a vivência de sensações intensas de prazer. Em seu sentido literal mais estrito, “felicidade” refere-se apenas a segunda. Correspondendo a essa bipartição das metas, a atividade dos seres humanos se desdobra em duas direções, segundo busquem realizar – predominante ou mesmo exclusivamente – uma ou outra dessas metas.

Como se percebe, o que estabelece a finalidade da vida é simplesmente o programa do princípio do prazer. Esse princípio comanda o funcionamento do aparelho psíquico desde o início; não cabem dúvidas quanto a sua conveniência, e, no entanto, seu programa está em conflito com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo quanto com o microcosmo. Ele é absolutamente irrealizável, todas as disposições do universo o contrariam; seria possível dizer que o propósito de que o homem seja “feliz” não faz parte do plano da “Criação”. Aquilo em que sentido mais estrito é chamado de felicidade surge antes da súbita satisfação de necessidades represadas em alto grau e, segundo sua natureza, é possível apenas como fenômeno episódico. 

Sigmund Freud, O mal-estar na cultura, 2010.


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* O certo é que S. Freud (1856-1939) não é tão simples assim. Mas com certeza seu pensamento desbancou o império da razão tão sonhada pelos racionalistas do século das luzes. Freud descobriu o inconsciente e descortinou o sexo, ou melhor, nos despiu. Nesse fragmento acima ele fala sobre a finalidade última de nossas vidas, a felicidade. Desde o choro incontido da criança exigindo o peito até a compra daquele objeto tão desejado, tudo é regido pelo programa do princípio do prazer, que é a ausência de dor e desprazer e a sensação intensa de prazer. Mas como bem sabemos, sempre existe uma “pedrinha” infame bem no meio caminho. A consciência é uma maldita pedra, a moral e a cultura, outra. Quanto mais cultura e quanto mais consciência, mais sofrimento, mais culpa. Enfim, somos um bando de bípedes com um desejo enorme de felicidade, mas com uma carga cultural muito pesada para carregar. Embora quase sempre demos aquela escapadinha, só no detalhe... não é verdade?



Por Josenias Silva
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