sábado, 17 de setembro de 2011

O levante das palavras*



"O que não faltaram aos eventos de maio de 1968 na França foram atos de fala. A busca pela liberdade, o desejo de transformação da cultura, da sociedade, das artes, das relações pessoais, da vida pública, da política, das relações de trabalho, das relações com o corpo, com o sexo, da economia, os desejos de revolução se expressaram numa profusão de frases, palavras de ordem, slogans, discursos, ideias, que se misturaram a uma profusão de imagens que, tal como havia escrito Benjamim, como uma espessa nuvem de gafanhotos, abandonaram o sossego horizontal dos livros, dos cadernos, das escrivaninhas e das cadeiras das Universidades e ganharam as ruas, verticalizadas em grafitos, pichações, histórias em quadrinho, pintadas, cartazes, placas, inscrições nos muros, sobre os cartazes de propaganda, nas paredes, em faixas, pancartas, nas próprias roupas, nos rostos, nos corpos dos manifestantes." 


Durval Muniz de Albuquerque Junior, 1968: o levante das palavras, 2009.

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* Sempre falo para os meus alunos, todos mais jovens do que eu, que tenho orgulho de ter nascido no século XX. Conto-lhes, começando pelos escombros, que aquele século fez de nós o que somos hoje, não escondo a destruição das guerras, a intolerância que gerou Auschwitz, os totalitarismos, a iminência da catástrofe nuclear etc., quando todos já estão de olhos arregalados de pavor, ou mesmo felizes por ter escapado de nascer naquele período “pipocante” da história, começo a falar-lhes de um outro aspecto, as liberdades. Falo, por exemplo, de Freud, Marx, Nijisnky, Luter King, Mandela, Armstrong, internet, controle remoto, games, celular etc. E falo necessariamente de 1968, uma data especial entre tantas naquele século. Maio de 1968 para o século XX é como a tomada da Bastilha para o século XVIII, uma data que marca o começo do fim de alguns sistemas. Mas o que eu gostaria de enfatizar aqui, sobre 68, é importância das palavras neste “levante”. Lutava-se com armas e com palavras, palavras-armadas, verticalizadas, delinqüentes, proféticas, debochadas, certeiras. O que se viam nas ruas eram muros, cartazes e corpos pichados em nome da liberdade (É proibido proibir!), da expressão (Escrevam por toda parte!), em nome do desejo (Eu gozo!), da ação (não tome o elevador, tome o poder!), da arte militante (a poesia está na rua!) ou contra os contrários (As paredes têm ouvidos. Seus ouvidos têm paredes!). Enfim, maio de 68 significou um marco na história das lutas por liberdade no século XX, daí surgiram figuras como Guy Debord, Hebert Marcuse, Michel Foucault, Jean-Paul Sartre e outros tantos “miseráveis” que influenciaram nossa maneira de enxergar e consumir o mundo. Emergiram também algumas falas até então inexpressivas politicamente, como as que exigiram direitos aos homossexuais, às mulheres, aos negros, ao sexo livre etc. Palavras de ordem e contra a ordem, amor, ódio, ideologias, paixões... Enfim, 68 revolucionou. Para finalizar gostaria de lembrar aos navegantes que atualmente estamos vivendo outro período de convulsão coletiva. Embora seja cedo demais para avaliar, com certeza podemos antecipar que ela já está marcando nossa forma futura de falar do passado. É só lembrar, por exemplo, que a palavra verticalizada de 68 hoje está digitalizada em tweets e outras parafernálias mortais aos velhos sistemas. Fico feliz porque essa ainda é a minha história, mas também será a dos nossos filhos. Que eles saibam curtir, afinal: “A felicidade é uma ideia nova!”.

Por Josenias Silva


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