segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Uma cara para conferir*





Minha fisionomia, se nunca me encantou pela excepcionalidade, também nunca me pareceu tão, assim, ordinária, excessivamente familiar, lugar-comum. Contudo é espantoso o entusiasmo com que conhecidos, recém-conhecidos, amigos, e até parentes, a toda hora se lembram de terem visto uma pessoa parecidinha comigo. De todas as pessoas que encontrei, em minha já não curta vida, rara é a que não tem um primo, um tio, um colega de escola, um professor, um padrasto ou um amante que é a minha cara, igualzinha, impressionantemente igual, esculpida e encarnada (cuspida e escarrada). Algumas pessoas encontram também, acho que por generosidade, semelhança impressionante até com vultos históricos, de Shakespeare a Júlio César, se é que alguém sabe como eles foram. Até hoje, curiosamente, ninguém me comparou ainda a Jesus Cristo. Deve ser pela barba, que eu não tenho. Eu deixo crescer.


Noutro dia, porém, aconteceu o que não esperava mas, evidentemente, tinha que acontecer um dia. Fui apresentado a uma jovem maravilhosa senhora, que, depois de poucos minutos de conversa, colocou na pauta a inevitável descoberta: "Mas, engraçado, você me lembra muito alguém conhecido". Imediatamente, com minha vasta experiência, lhe ofereci logo um imenso catálogo de pessoas, locais, nacionais e internacionais, que, dizem, se parecem comigo. Nenhuma a satisfez. Curioso que, enquanto conversávamos, a fisionomia da jovem também não me parecia estranha. Mas, quando, afinal, embora não se lembrando do nome da pessoa, ela afirmou estar certa de que tinha sido no Teatro TBC, em São Paulo, imediatamente eu me lembrei da cena e da hora em que a tinha conhecido. E me veio a satisfação de encontrar, afinal, uma pessoa que me achava parecido - não muito, eu sei, apenas uma vaga semelhança - comigo mesmo, alguns anos atrás.


Millôr Fernandes, Todo Homem é minha caça, 2005.



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