terça-feira, 8 de novembro de 2011

As orquídeas de minha rua*



Por AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA


Há muito quero escrever sobre as orquídeas de minha rua. Mas não consigo; por causa dos jornais.

Penso: vou falar de orquídeas, estou maravilhado que apareçam assim como um enxame em todas as árvores públicas sem que ninguém as roube. Mas  os jornais me dizem que flecharam mais um ministro lá em Brasília. Que o canibalismo da corrupção e a   autofagia do poder vão devorando cúmplices e culpados.

Contudo, na minha rua, as orquídeas insistem com seu esplendor.  Elas não lêem jornal. Acordo. Elas estão, luminescentes, em todas as árvores de minha rua. Que fenômeno é esse?   Os troncos das árvores antes lisos e ( para mim) inúteis, viraram um canteiro de  orquídeas tagarelando nas manhãs. As flores parecem borboletas estáticas esperando nosso olhar.

Vejo isto com um júbilo discreto. Mas o vício jornalístico me leva a ler novas noticias no tronco da manhã. Nas folhas da manhã constato como a primavera árabe tem lá seus momentos patéticos. O cadáver malsinado de Kadafi interrompe a floração das  minhas orquídeas. O deserto nos contempla.

Todavia, insisto na minha   pesquisa floral. Descobri que os porteiros dos prédios é que inventaram essa epifania. Os moradores ganham orquídeas o ano inteiro, como não se sabem o que fazer com a não-flor, dão os vasos aos porteiros para que se desfaçam deles.

Algum porteiro imaginoso dependurou na árvore em frente ao seu prédio a ex-flor. E esperou. Outros porteiros o imitaram. Resultado: não só na minha rua, mas em todas as ruas circunvizinhas as orquídeas viraram um espetáculo para moradores e turistas.

Porém os indignados seguem florescendo em Madrid, na Grécia e junto a Bolsa de Valores de Nova York. Surgiram, coincidentemente, também durante a ( nossa) primavera. Seriam uma espécie de flower children dos anos 60? A utopia renasceu?

Volto à minha rua. Não é só no meu bairro, nos bairros vizinhos se alastra a revolução floral. Uma amiga moradora noutro bairro distante, me revela: está num mar de orquídeas. Lá também, os porteiros replantaram as flores nos troncos das árvores. E elas crescem e à noite ninguém as rouba.

Vou à internet, aprender o trivial sobre as orquídeas. E os muitos sites jogam nos meus olhos corpos de mulheres nuas disseminadas entre as noticias. São as flores eróticas da estação. Mas aprendo que há, em toda parte, fabulosos colecionadores de orquídeas transformando húmus em  esperança. Informam-me algo intrigante, que não conseguiram descobrir outra utilidade para as orquídeas a  não ser sua  função ornamental.

Há terremotos na Turquia, a florescente economia Chinesa ameaça ambiguamente todo o mundo e as orquídeas estão na minha rua cumprindo sua tarefa ornamental. É possível que em outras ruas de outras cidades esteja ocorrendo esse  fenômeno  belo e silencioso. Bom seria que fosse assim no mundo inteiro.

Raramente as orquídeas são noticia de jornal.


Affonso Romano de Sant´Anna, Correio Braziliense - Estado de Minas, 30.10.2011.

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*Em tempos de sangue farto não esqueçamos das flores...
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