segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Uniformes informais*



Por AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA





Estapafúrdios, cômicos, despassarados  os uniformes ao meu redor.

Estão uniformizados e se crêem originais combatendo outros uniformes.

O casal parou na lanchonete. Ele vestindo jaqueta de couro, calça de couro, cabelo eriçado tipo Neymar, brincos prateados,  argolas presas no nariz e na língua.Usava botas. Ela completava o quadro, era o seu similar feminino. Os dois pareciam saídos de um filme de terror. E sorriem  cadavericamente enquanto comem um insalubre sanduíche e bebem coca.

Estão convencidos de  serem originais. As moças da lanchonete (uniformizadas com aqueles aventais coloridos e boné como nas lanchonetes americanas)  olham aquele outro uniforme.

Passam rapazes com tatuagem até  na alma. Olhando de longe parece que têm alguma doença de pele. São de uma tribo determinada. Passa por mim agora uma moça  que vai fazer ginástica. Uniformizada de ginasta. Se passasse um padre ou uma  freira vestidos de padre e freira iam dizer que o padre e a feira estavam uniformizados. Se passasse algum militar idem. Aliás, num mundo em que todo mundo está disfarçadamente uniformizado, os militares já não usam mais uniformes nas ruas.

Na calçada passam homens gordos com aquela barriga ostensiva, usando bermudas, o que torna as pernas e barrigas mais caricaturais. Meu Deus como as pessoas ficaram feitas! Usam tênis ou sandálias. Podem ter vindo de um aeroporto, de um avião, pois hoje nos aviões, tem sempre  alguém semi nu coçando o dedão do pé num  gesto de impudica carícia.
          
Hoje quem não tem aquela barba rala, aquela barba de quem está fingindo estar barbado, quem não tem esse uniforme não pode ser manequim nem ator de novela. A calvície reina. E identifica certas preferências sexuais. Calvos senhores com seus bíceps avantajados  cruzam por mim. A calvície não tem mais idade. Vejam os jogadores de futebol- carecas, ao Beatles ao revés.

Outro uniforme é a camiseta cavada tentando mostrar algum músculo. Isto conjugado com bermudas coloridíssimas que lembram trajes de palhaços. Carnavalização. A moda há muito subverteu as normas do calendário. A roupa carnavalizada não é mais para o fim de semana, é para todo dia,  a qualquer hora, qualquer cinema, teatro ou enterro. As camisetas cheias de letras em inglês, cujo sentido os usuários ignoram. Nunca se viu tanta coisa escrita nas pessoas como se fosse um livro escrito em sânscrito. A harmonia que está na moda  é a harmonia do mau gosto.

E as mochilas? Segue a multidão curvada ao peso de inconfortáveis mochilas. Parecem retirantes, trânsfugas. E nos ônibus, trens e aeroportos as corcovas derrubam e ferem os outros. Já não se tem mais o limite do próprio corpo.

Como dizer a certas pessoas que elas não deveriam usar jeans, certos tipos de jeans. Assim como certas pessoas ficam bem com qualquer roupa, outras ficam mal com  qualquer grife que ostentam. E o jeans virou uma calamidade azul, desbotada, rasgada.

A uniformidade na desuniformidade. Disformidades.

Todos se pensando originais, todos copiando modelos comercialmente criados em outros países. Não há diferença entre um  jovem em Nova York outros  em Manaus, em Varsóvia ou Moscou. Não só os jovens. Os velhos uniformizaram-se no falso não-uniforme.

Se todo mundo é original, a originalidade é copiar. Não é à toa que as mesmas lojas estão nos idênticos shopping de todo o mundo. Mesmices.

Mesmerizadas as pessoas   copiam  o mesmo e se sentem  o outro.


Fonte: Affonso Romano de Sant´Anna, O Estado de Minas, 20.11.11

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*De fato, somos tão identicamente originais que até nos imitamos, ou nos matamos quando alguém ousa desviar da manada. É a raça humana, fazer o quê?
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