sábado, 19 de novembro de 2011

Sonhos de Einstein*

Por Alan Lightman






Neste mundo, já num primeiro olhar percebe-se que algo está fora de lugar. Não se vêem casas nos vales ou nas baixadas. Todos moram nas montanhas.

Em algum momento do passado, cientistas descobriram que o tempo flui mais lentamente nos pontos mais distantes do centro da Terra. O efeito é minúsculo, mas pode ser medido por instrumentos extremamente sensíveis. Assim que o fenômeno foi constatado, algumas pessoas, desejosas de permanecerem jovens, mudaram-se para as montanhas. Agora, todas as casas são construídas no Don, no Matterhorn, no monte Rosa e em outros pontos elevados. É impossível vender residências em outros locais.

Muitos não se satisfazem apenas situando suas moradias em uma montanha. Para obter efeito máximo, constroem suas casas sobre colunas. Os topos das montanhas do mundo inteiro estão cobertos por casas deste tipo, que à distância parecem um bando de pássaros gordos apoiados sobre pernas longas e magras. As pessoas que desejam viver mais construíram suas casas sobre as colunas mais altas. Com efeito, algumas casas estão a meia milha de altura, equilibrando-se sobre suas espigadas pernas de madeira. Altitude passou a ser sinal de status. Quando uma pessoa, da janela de sua cozinha, precisa olhar para cima para ver um vizinho, ela tem a certeza de que aquele vizinho não ficará com as juntas enferrujadas tão cedo quanto ela, que ela demorará a perder os cabelos, não terá rugas ainda por muito tempo, não perderá o ímpeto romântico tão cedo. Da mesma maneira, uma pessoa que olha para baixo para ver outra coisa tende a julgar seus ocupantes gastos, fracos e míopes. Alguns se gabam de ter passado a vida inteira nas alturas, de ter nascido na casa mais alta do mais alto pico e de nunca ter descido. Celebram sua juventude diante do espelho e caminham nus em seus terraços.

Às vezes algum negócio urgente obrigam as pessoas a descerem de suas casas, e elas o fazem apressadamente, correndo aflitas pelas escadas altas até o chão, depois até uma outra escada ou até o vale. Concluem seus afazeres e voltam o mais rápido que podem para suas casas ou para outros lugares altos. Elas sabem que, a cada degrau que descem, o tempo passa com maior velocidade e elas envelhecem um pouco mais rapidamente. No chão as pessoas nunca param. Elas correm, carregando suas pastas e sacos de compras.

Um pequeno número de residentes em cada cidade pára de se preocupar se envelhece alguns segundos mais rápidos que seus vizinhos. Essas almas aventureiras costumam descer para o mundo de baixo e ali permanecem durante dias, descansam sob as árvores que crescem nos vales, nadam prazerosamente nos lagos localizados em altitudes onde as temperaturas são amenas, rolam no chão. Quase nunca olham para seus relógios e mal podem dizer se é segunda ou quinta-feira. Quando os outros passam por elas e zombam, apenas sorriem.

Com o passar do tempo, as pessoas esqueceram por que razão mais alto é melhor. Mesmo assim, continuam vivendo nas montanhas, evitando baixadas ao máximo, ensinando seus filhos a se afastarem de crianças de locais de baixa altitude. Elas toleram o frio das montanhas por hábito e valorizam o desconforto como positivo para sua educação. Elas até mesmo se convenceram de que o ar rarefeito é bom para seus corpos e, seguindo esta lógica, adotaram dietas especiais, comendo apenas comidas mais leves. Os anos passaram e a população acabou ficando tão leve quanto o ar, com os ossos protuberantes, envelhecida antes do tempo.


Alan Lightman, Sonhos de Einstein, 1993.


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*Será que é possível furar a “bolha” um pouquinho? Ou seria melhor apodrecermos dentro dela? No bom latim se diria: Carpe Diem.
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